João 20 e 21
Em uma das últimas aulas sobre o Evangelho de João na Classe da Escola Dominical, quis saber a resposta dos alunos à seguinte pergunta: qual o evento mais importante: a crucificação ou a ressurreição de Jesus? Não é uma pergunta cuja resposta seja fácil, conforme o amado ouvinte já deve ter percebido. Ainda que Jesus tivesse morrido de morte natural e ressuscitado, o plano de salvação não teria acontecido. O que faz a ressurreição ter o significado que tem é o episódio que a antecedeu: a morte no Calvário, em cumprimento às Escrituras. Ali, meu pecado foi perdoado. Lá, a Humanidade pôde ter um novo começo. João registra cuidadosamente o cumprimento das Escrituras em todo o Evangelho e registramos isto nos estudos que hoje concluímos. O faz também nos relatos da ressurreição, porque era necessário que os futuros leitores compreendessem que um e outro estavam previstos no plano de Deus para a nossa redenção.
João repete alguns dos registros sinópticos e acrescenta o seu material próprio às narrativas da ressurreição de Jesus. Com o auxílio da Harmonia dos Evangelhos, vamos tentar identificá-los de forma resumida. Na seqüência dos acontecimentos, o primeiro registro joanino é que o sepulcro, visitado pela segunda vez pelas mulheres, é encontrado vazio, na manhã, bem cedo de domingo(Jo 20,1). É também ele que nos diz que a ressurreição do Mestre foi contada, pelas mulheres, aos discípulos. (Jo 20, 11-18). Temos aqui a mudança no status da mulher. De pessoa considerada incapaz para qualquer coisa além da procriação, vemos agora a mulher sendo encarregada de anunciar algo que vai transformar o mundo e que ainda hoje o transforma.
Pouco depois, João nos conta que Jesus apareceu a um grupo de discípulos, estando Tomé ausente. (Jo 20, 19 e 20). A seguir, Jesus encarrega os discípulos da evangelização do mundo, aparecendo-lhes mais cinco vezes antes da sua ascensão. João menciona essas ocorrências, conforme podemos notar nos seguintes relatos:
A primeira das comissões finais que Jesus dá aos discípulos (20,21-23);
Jesus aparece de novo aos discípulos e, desta vez, Tomé ali estava. Tomé estivera ausente em todos os acontecimentos de Jesus ressurreto verificados no próprio domingo da ressurreição. Passaram-se oito dias sem qualquer aparecimento de Jesus e agora, no segundo domingo, os discípulos se acham de novo reunidos com as portas fechadas, quando Jesus chega e conversa com Tomé. (20,24-29).
Jesus aparece a sete dos discípulos (terceira vez a um determinado grupo) à margem do Mar de Tiberíades. (21,1-14).
Jesus reabilita Pedro (Jo 21, 15-17).
Jesus fala em termos apocalípticos sobre a morte de Pedro e a do Discípulo Amado. (Jo 21,18-23).
Há, ainda, o encerramento do Livro, que o autor registra em duas oportunidades: Jo 20, 30 e 31 e 21,24 e 25.
A vitória de Jesus foi mencionada, além dos quatro Evangelhos, também em 1 Coríntios 15, 5 a 7; onde ficamos cientes de que o Mestre apareceu a mais de 500 seguidores e em Atos 1, 4-12 podemos conhecer o relato da ascensão de Jesus, 40 dias após a sua ressurreição.
Há muito material para um só estudo, e seria interessante anotar as ocorrências e, com cuidado, lê-las em momento oportuno.
No início do nosso estudo do Evangelho de João que hoje concluímos, trouxe para o ouvinte algumas citações a respeito do Livro que vieram de pessoas influentes ao longo da História. Para encerrá-lo, não poderia deixar de mencionar um trabalho recente, elaborado por Johan Konings e publicado no seu livro “Evangelho deSão João”, em 2000.
O autor faz um competente destaque sobre o livro que nos acompanhou ao longo de treze encontros e, com toda certeza, já sentimos saudades destes abençoados momentos em torno de um evangelho tão rico. Eis as conclusões a que ele chegou:
João usa símbolos e arquétipos que lhe dão um alcance mais universal. João não escreve só em função de sua comunidade. Diz respeito a todos os leitores em todos os tempos.
É um evangelho fortemente comunitário, insistindo no serviço mútuo e no amor fraterno. A identidade do discípulo amado é ser discípulo; sua honra ou título é ser discípulo, não apóstolo. Assim a Igreja discípula, não a Igreja autoridade, continua a tradição de Jesus.
O papel desempenhado pelas mulheres é notável. E isto parece uma opção consciente.
Jerusalém é o lugar do conflito. É o “mundo”.
As comunidades joaninas são missionárias e perseguidas.
Quando João menciona “os judeus” como opositores, geralmente se trata dos líderes ou autoridades desse grupo, ao qual eles próprios pertencem. Este evangelho pode ser catalogado como “o mais judeu de todos”.
Este evangelho não é sacerdotal, embora se lhe atribua essa característica. “Em nenhum lugar transparece uma atitude de convivência com o sistema do templo”. João substitui os grandes símbolos do sistema religioso de Israel pela pessoa de Jesus Cristo.
O quarto evangelho se baseia em termos simbólicos, acessíveis a qualquer pessoa que tenha sensibilidade.
O amor fraterno é o testemunho para o mundo, no estilo de Jesus de Nazaré.
O “conhecer” do quarto Evangelho não é a sabedoria dos escribas judeus nem da gnose. É amar a Cristo e servir ao irmão/ã, assumindo as conseqüências.
O novo templo é Jesus. É um evangelho contemplativo-místico. É no mundo que se vive a vida unida a Jesus, perseguido e excluído pelo mundo. O mundo penetra até na comunidade cristã em forma de desamor, ambição, apostasia, traição. A mística é uma questão social. É a não-exclusão.
Como evangelho “espiritual”, conforme foi classificado, significa que a vida e mensagem de Jesus são interpretadas à luz do Espírito de Deus, descobrindo sentidos sempre novos e atuais. Critério: o amor fraterno e solidário e a prática da justiça.
A prática de Jesus é a prática do próprio Deus, de Deus na “carne”, na existência humana histórica.
Louvemos a Deus por tudo o que aprendemos e, com minha gratidão pela amável audiência, até o nosso próximo encontro.
APOIO BIBLIOGRÁFICO
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