Há quem não goste da cruz, vendo nela ar e ranço de idolatria. Mas a cruz é central no Cristianismo. Sem a cruz, não há Cristianismo. Por si só, a Encarnação não nos fornece o Cristianismo genuíno. Ela nos oferece somente histórias sentimentais sobre o Natal. Só o exemplo de Cristo não é Cristianismo, considerando que ninguém é salvo por imitar Jesus ou por admirar Jesus ou enaltecer os seus milagres. Nem mesmo a Ressurreição em si é a essência de religião cristã bíblica. Portanto, é impossível superestimar a importância do que Jesus realizou para o seu povo na cruz.
Disso destacamos duas verdades. Por um lado, se a cruz de Cristo for o próprio coração e essência do Cristianismo, nós devemos esperar que o seu significado seja a própria simplicidade. E é. Por exemplo, “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (I Coríntios 15.3). O que poderia ser mais claro? Por outro lado, se a cruz é a própria essência do Cristianismo, nós também podemos esperar que ela amplie a nossa mente ao extremo na medida em que nós tentamos sondar as suas profundezas. Na verdade, nós achamos que, até certo ponto, o significado total da cruz está sempre muito além do nosso alcance.
À parte da cruz, o Cristianismo se torna apenas um tipo de auto deificação humana que conduz à arrogância e à presunção, uma religião que supõe injustamente que nós podemos de alguma maneira salvar a nós mesmos. Com a cruz ao centro, o Cristianismo oferece a base exclusiva para nos posicionarmos diante de Deus como homens e mulheres justificados e a única motivação adequada para uma vida de descanso em Deus e abnegação genuína em favor dos outros. Somos levados a dar tudo o que temos porque, na cruz, Jesus deu tudo o que Ele possuía por nós!
Por outro lado, não estamos falando da cruz-madeira, da cruz-metal, da cruz-de-lapela, da cruz-joia-de-adereço, da cruz-com-o-crucificado-esquálido-ainda-derrotado, da cruz-colocada-na-torre-de-igreja, mas no que ela significa e simboliza para nós. Estas cruzes, são apenas adornos, no máximo, utensílios de obras de arte e nada mais. Mas a cruz da qual falamos é sobre o significado e o que representa ou deve representar a verdadeira cruz de Cristo para nós. Ainda que tenhamos o direito de gloriarmo-nos na cruz, conforme Paulo diz “mas longe esteja de mim gloriar-me, senão da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo” (Gálatas 6.14), estes rabiscos fogem de qualquer ideia de culto à cruz ou mesmo de elogio à cruz.
Para começo de conversa, a cruz-madeira é maldição, como nos revelam as Sagradas Escrituras: “Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro” (Gálatas 3.13; Deuteronômio 21.23). Não elogiamos nem cultuamos a cruz, mas não podemos perder de vista a sua importância capital na obra da redenção do homem, realizada por Jesus.
A cruz se encontra em toda Bíblia. De Gênesis a Apocalipse. Curiosamente, a história da cruz começou no Jardim do Éden, no momento em que nasceu o pecado. Lá havia, entre muitas outras árvores, a árvore de Deus, a árvore do conhecimento do bem e do mal. Aqui a árvore é a haste vertical da cruz. Na horizontalidade do pecado, representada pela serpente, que, por sua vez, caracterizava Satanás, completava-se da maneira triste a figura simbólica da cruz.
O mal que começou na cruz plasmada no Éden, a árvore vertical e o pecado horizontal, foi lançado sobre o ser humano e sobre a terra e culminou na cruz, construída com a maneira de uma árvore. Todo este mal, maldição, morte, dor, sujeição, espinhos, suor, fadiga, recaiu cronologicamente primeiro sobre o ser humano, e depois sobre Jesus, pois Paulo diz que “aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (II Coríntios 5.21). Jesus sofreu a maldição do madeiro, experimentou a morte pela sujeição, pela plena obediência a Deus e pelo voluntário sacrifício em favor dos homens, para libertá-los do pecado. Jesus viveu intensamente a dor, pois foi chamado por Isaías de “homem de dores e que sabe o que é padecer” (Isaías 53.3). A maldição dos espinhos foi-lhe entregue na coroa de escárnio, colocada sobre a sua cabeça. Quanto ao suor, no Getsêmani, Jesus passou pelo quadro clínico conhecido como hematidrose, excreção de suor sanguinolento por efeito de hemorragia das glândulas sudoríparas.
A maldição da fadiga e do cansaço, muitas vezes sofrida pelo Divino Mestre, é registrada nos Evangelhos, começando junto ao poço de Jacó, antes da conversa com a mulher samaritana (João 4.6). Jesus experimentou toda a maldição lançada sobre a terra e sobre o ser humano. A maldição, produto exclusivo do pecado, revelada no primeiro livro da Bíblia, que recaiu sobre a terra, o ser humano e o santo de Deus, sofrida e cabalmente derrotada por Cristo, será completamente vencida no fim dos tempos, como registra o último livro bíblico, o Apocalipse.
São inúmeros os tipos de cruzes existentes, desde a aurora da civilização: cruz celta, cruz egípcia, cruz fenícia, cruz grega, cruz latina, cruz de malta, cruz suástica ou gamada, cruz patrística, cruz helvética, cruz templária, cruz de santo André, cruz de são Pedro, cruz patriarcal, etc. Mas a que queremos realçar é a cruz latina (romana), a cruz em que Cristo morreu, composta pela interseção de dois elementos retos. Esta cruz, em sua origem, era um patíbulo, formada por uma trave vertical de madeira e por outra, horizontal, disposta próximo do topo.
A haste vertical era denominada stipes, e a horizontal patibulum. Havia ainda mais dois componentes na cruz: o titulus, uma pequena tábua de madeira em que se escrevia o motivo da pena de morte, e o sedile, uma espécie de pequeno assento colocado de modo horizontal na cruz, da metade para o fim da haste vertical, com o objetivo cruel de proporcionar descanso aos pés do condenado e assim prolongar-lhe o sofrimento.
A culpa atribuída a Cristo, como vemos nos registros bíblicos, foi escrita na cruz sob orientação de Pôncio Pilatos em três idiomas: o hebraico, o idioma da fé monoteísta; o latim, a língua da força dos romanos; o grego, na época, a voz da sabedoria, a língua universal. “JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS”, que a Vulgata Latina imortalizou neste tetragrama: INRI (Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum) .”Muitos judeus leram este título, porque o lugar em que Jesus fora crucificdo era perto da cidade; e estava escrito em hebraico, latim e grego”. (João 19.20).
O ser humano é uma cruz perfeita, física e espiritualmente. Fisicamente, quando, de pé, de braços abertos, interpreta, pela postura, a beleza da verdade bíblica revelada, formando, também, interiormente, ao obedecer o grande mandamento, a figura espiritual da cruz. “Mestre, qual é o grande mandamento na Lei? Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus 22.36-40). Amor e adoração a Deus e amor e caridade ao próximo, eis formada a cruz!
Um sábio e querido professor meu de homilética, a quem devo muito do que aprendi e do pouco que sei, abria e fechava as suas aulas de homilética com estas palavra de ouro: “Todo sermão verdadeiramente bíblico, homileticamente perfeito, deve mostrar, por inteiro, o contorno da cruz e o retrato de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que derramou o seu sangue redentor no altar do Gólgota”. Nunca tirei nota baixa com ele! Quase sempre a maior! Mas ele só arbitrava 9,9 para o aluno não ficar vaidoso e orgulhoso!
A maioria dos teólogos e estudiosos do assunto dá como certo que as autoridades romanas mantinham, antes da execução, as duas hastes da cruz separadas. A haste vertical (stipes) era levada para o local da execução e a haste horizontal (patibulum) deixada no Pretório para ser carregada pelo condenado, depois de proferida a sentença de morte. Assim, Cristo teria transportado a parte hortizontal da cruz, nada leve, certamente, a ponto de ter sido requerido pelos soldados romanos a participação de Simão Cirineu para ajudá-lo na penosa tarefa. “E obrigaram a Simão Cirineu, que passava, vindo do campo, pai de Aelxandre e de Rufo, a carregar-lhe a cruz” (Marcos 15.21).
Este fato deixa-nos à vontade, quando mostramos a cruz, simbolicamente, na Bíblia, algumas vezes com os postes vertical e horizontal aparentemente separados. Por exemplo, quando o Senhor Jesus, no seu maravilhoso Sermão do Monte, falou da nossa responsabilidade como luz do mundo e sal da terra, nota-se, perfeitamente, a presença das duas partes da cruz, ainda que possam parecer separadas. “Vós sois a luz do mundo” (haste vertical); “Vós sois o sal da terra” (haste horizontal). A luz, em sua verticalidade, é para o mundo. A luz ilumina o caminho, mostra a verdade, vence as trevas. O sal, horizontal, como a terra, conserva o alimento, dá-lhe sabor (Mateus 5.13-14).
Finalmente, ao terminar este retrato da cruz, dando assim a sua extensão, perguntamos: o que fazer com a Cruz de Cristo? Ostentá-la em anéis, joias e colares? Carregá-la, como se fosse um cajado? Andar com a cruz nas mãos? Marcar o corpo com tatuagens, representando a cruz? Manter parte dela (supostamente da madeira da cruz original, se isto fosse possível), como relíquia? Colocá-la em adesivos e ostentá-la nos automóveis, nas salas de visita, ou em salas de trabalho? Ou sobrepor à cruz a figura esquálida do Cristo morto, e chamá-la de crucifixo e mantê-la no pescoço, com movimentos, à frente do corpo, no assim-chamado ‘sinal-da-cruz’? Ou fazer da cruz um mero símbolo, seja de morte, seja de vida e até motivo de culto e adoração? Não! Não é dessa cruz que eu falo!...
O importante, é o cristão na cruz, espiritualmente, e não a cruz no cristão, fisicamente!
Vejamos o que o apóstolo Paulo nos fala da cruz: “...foi crucificado o nossos velho homem... porquanto quem morreu está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos., sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte não tem domínio sobre ele...(Romanos 6.6-8); “E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências” (Gálatas 5.24).
Que beleza são os benefícios da cruz em nossas vidas! Você está seguindo a Jesus? Tem obedecido ao seu convite? “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Marcos 8. 34)
Louvado seja o Nome do Senhor!
Que o Senhor Deus o abençoe, ricamente, em Nome de Jesus!