1 Pe 2 e 3
Uma vez exortados a pensar cuidadosamente sobre o modelo de vida que Jesus deixou para nós, os leitores de Pedro são convidados a desejar ardentemente o leite materno. Curioso, não é?
Nem tanto, pois todos sabemos que recém-nascidos enfrentam lutas na adaptação à nova vida. Não é tarefa fácil sair de um lugar onde se pensava estar protegido para entrar em vida nova, onde nada é familiar. Pedro sabia que os novos crentes que o leriam estariam com dificuldades e, por isso, os orienta assim: “Deixando, pois, toda a malícia, e todo o engano, e fingimentos, e invejas, e todas as murmurações, desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo.”
Em linguagem simples e direta, eles deveriam desistir das vestes antigas, aquelas que vestiam sem Jesus e alimentarem-se das novas formas de ver o mundo e as circunstâncias, pois agora podiam contar com o apoio e com a direção do Espírito Santo que habita naquele que crê em Jesus. Observe que Pedro não os convoca a terem novas vestes, mas sim a desejar ardentemente coisas novas. Eles deveriam rejeitar o que antes lhes parecia tão natural. Pedro exemplifica: há vícios que precisam ser eliminados:
a) toda maldade, ou seja, toda iniquidade do modo de pensar pagão; b) dolos ou espírito traiçoeiro, que deseja enganar os outros, falsificar; c) hipocrisias e invejas, ações que lembram as máscaras que são tão comuns nos relacionamentos interpessoais; d) toda sorte de maledicências, tais como: falatório sobre a vida alheia.
Além de desejar que seus leitores aprendessem a rejeitar práticas antes familiares, Pedro também os ensina sobre a necessidade de edificar sobre o fundamento que é Cristo. É uma forma de ocupar o espaço vazio proveniente da eliminação de práticas enraizadas com um processo de construção de algo novo. A figura aqui destacada é a das pedras vivas: “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo.” O que antes era realizado por sacerdotes, agora seria tarefa deles. Passaram a ser sacerdotes que apresentam sacrifícios que se tornaram agradáveis a Deus e que edificam a partir da principal pedra, a pedra angular, que é Jesus.
Essa nova geração de crentes em Jesus Cristo possui, no ensino de Pedro, quatro designações:
1. Raça eleita que é diferente dos judeus e dos gentios. É uma nova raça que assume os privilégios e desfruta das promessas que antes eram propriedade do povo judeu.
2. Sacerdócio real: o sacerdócio antes exclusivo do povo judeu, agora é daqueles que o exercem a partir da atuação de Jesus, o Sumo-Sacerdote por excelência e eterno.
3. Nação santa: Aqui os termos podem ser usados tanto para a ideia de raça como a de nação. Fato é que é o conjunto de pessoas que foram santificadas pela ação do Espírito Santo e que, por isso, evidenciam ou devem evidenciar a santidade de Deus.
4. Povo de propriedade exclusiva de Deus, consoante lemos em Isaías 43, 21: “A esse povo que formei para mim; o meu louvor relatarão.”
Essas propriedades têm, em conjunto, um objetivo, qual seja o de proclamar os grandes feitos de Deus. Ninguém é alcançado pela graça de Deus para ficar usufruindo dos benefícios que ela produz, mas para testemunhar e proclamar quem Deus é.
A seguir, Pedro inicia uma fase de instruções práticas sobre a vida pessoal dos crentes. São algumas delas:
• Abstenção de concupiscências carnais. O dicionário informa que a palavra concupiscência significa desejo intenso de bens ou gozos materiais e também apetites sexuais. Como aqueles novos crentes haviam sido resgatados da forma de agir comum do mundo romano de então, era necessário que recebessem orientação bem clara a respeito;
• Prática de um viver honesto, isento de erros que possam desqualificar a mensagem do evangelho. Aqui somos hoje em dia convocados a pensar sobre isto, pois de todos os lados vemos pessoas que se dizem cristãs praticando atos que em nada se assemelham a Jesus Cristo;
• Aprender a praticar a liberdade recebida em Cristo. Interessante que o autor ensina aos leitores que a verdadeira liberdade é fazer o que é certo. Com certeza, este item também deveria ser um grade desafio para eles em todos os sentidos e situações;
• Saber honrar a todos. “Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei.” e
• Aprender a prática da sujeição em amor. Este é um desafio igualmente importante, porque esse tipo de sujeição se torna possível apenas quando o amor de Deus flui em nossa vida.
Uma vez capacitados por Deus e por Ele alertados para terem suas vidas completamente modificadas, Pedro passa a ensinar sobre as relações familiares, tão comuns a todos e ainda hoje desafiadoras. A leitura dos primeiros versículos do capítulo 3 nos dá a impressão de que saíram de moda. No entanto, uma análise mais profunda do significado das palavras nos leva a dizer que os valores ali destacados são possíveis de serem colocados em prática ainda hoje e representam a vontade de Deus para a vida do casal do século 21. O que se busca com tais orientações é o retrato daquilo que Deus deseja para os casais, para as famílias de hoje.
Precisamos concluir, mas é sempre auspicioso lembrar que Pedro destaca a razão para sermos chamados a uma vida íntegra. No capítulo 2, verso 10, lemos: “Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma” Observemos que Pedro se utiliza de duas palavras que parecem ser sinônimas, mas que guardam entre si diferenças interessantes. O autor qualifica seus leitores como sendo peregrinos e forasteiros. Peregrinos são estrangeiros residentes, aqueles que não têm plenos direitos de cidadania. Já os forasteiros são visitantes, que ficam por algum tempo no lugar mas que não possuem quaisquer direitos onde visitam.
Este é o segredo: os crentes em Jesus Cristo são peregrinos e forasteiros neste mundo. Não é aqui a residência permanente. Estamos de passagem. Por isso, a conclusão do autor: “Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos, E os seus ouvidos atentos às suas orações; Mas o rosto do Senhor é contra os que fazem o mal.” 1 Pe 3,10.
Apoio Bibliográfico: 4. BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas. 2004 5. GRUNZWEIF, Fritz et all. Cartas de Tiago, Pedro, João e Judas. Comentário Esperança. Curitiba: Paraná – Editora Evangélica Esperança, 2008. 6. McNAB, Andrew. O Novo Comentário da Bíblia – vol. II. São Paulo: Vida Nova. Reimpresso em 1987. 7. MUELLER, Ênio R. 1 Pedro – Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. SP: Mundo Cristão. 1988 8. SAYÃO, Luiz. Rota 66 – Novo Testamento – São Paulo: RTM 9. SUMMERS, Ray. Comentário Broadman. Volume 12. Rio de Janeiro: JUERP. 1987 10. MOSCONI, Luis. As Duas Cartas de Pedro. São Paulo: Paulinas. 2002