ESTUDOS NO LIVRO DE JÓ - A PRESENÇA DO BEM E DO MAL NA VIDA DO HOMEM - Jó 32 a 37
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ESTUDOS NO LIVRO DE JÓ - A PRESENÇA DO BEM E DO MAL NA VIDA DO HOMEM - Jó 32 a 37

Jó. Quando se pensa ou fala neste homem, a primeira característica de sua personalidade a ser lembrada ou mencionada é a paciência. Há, inclusive, uma expressão relacionada a ele, utilizada quando alguém quer fazer menção à necessidade de se ter tolerância com pessoas ou situações: “é preciso ter uma paciência de Jó”. Quem de nós já não ouviu e até pronunciou esta frase? Sem dúvida alguma a paciência é uma virtude, recomendada pela Bíblia em diversas passagens, da qual Jó se tornou um extraordinário exemplo, citado em Tiago 5:11.

Não obstante, Jó demonstrou ser portador de outras características que sobressaem com maior relevância à finalidade do livro bíblico que tem o seu nome. Vale lembrar que, embora o tema do sofrimento ocupe grande espaço do livro, o propósito principal é outro: apresentar profundo ensino teológico sobre o relacionamento do homem com Deus, o qual se estabelece por meio de amor genuíno ao Senhor e fé inabalável, independentes das circunstâncias.

Jó era assim. Amava a Deus. Em consequência, guardava-se íntegro e obedecia aos preceitos do Senhor, demonstrando o que Jesus veio a dizer mais tarde: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14:15).

A integridade de Jó estava diretamente relacionada ao amor e ao temor ao Senhor, tanto que foi testificada pelo próprio Deus, no início do livro.

Desta integridade ele nunca se afastou; do Senhor jamais blasfemou. As mais cruéis calamidades não puderam abalar o seu amor, nem a sua fé em Deus.

O motivo do seu sofrimento ele não sabia e, por isso, queixou-se, desejoso por um encontro com Deus. Uma coisa, porém, ele sabia: era inocente. Imperfeito como todo ser humano, porém fiel ao Senhor e aos seus mandamentos.

Por essa razão, os três ciclos de diálogos que manteve com os seus amigos tiveram resultado insatisfatório. Se os amigos foram insistentes em tentar convencê-lo de que haveria algum pecado na origem de seu sofrimento, mais persistente ainda foi ele em declarar a sua inocência.

Além de verdadeiro amor a Deus e admirável fé, Jó demonstrou ter uma consciência inabalável de sua integridade, a ponto de dizer: “Eis aqui a minha defesa assinada!” (31:3).

Diante disso, parece que os amigos chegaram à conclusão de que argumento nenhum iria demovê-lo da convicção de ser inocente. Assim, terminada a resposta de Jó ao terceiro discurso de Bildade, houve silêncio. Os amigos calaram-se.

Este silêncio propiciou a participação de um novo interlocutor, chamado Eliú. Seu nome significa “Ele é meu Deus”. Era descendente de Buz, filho de Naor, o irmão de Abraão (Gênesis 22: 20-21).

Há indícios de que Eliú estava presente enquanto os outros três dialogavam com Jó, acompanhando os argumentos de ambos os lados. Quando, por fim, os amigos se calaram, Eliú ficou muitíssimo irado. O texto bíblico menciona quatro vezes a ira de Eliú (32:2-4). Ele ficou duplamente irado: contra Jó porque se declarara justo aos seus próprios olhos e, no entender de Eliú, ele pretendia ser mais justo do que Deus (32:1-2), intenção que Jó nunca manifestou; contra os três amigos porque não conseguiram refutar os argumentos de Jó (32:5,12,15).

Até aquele momento Eliú permanecera calado por respeito à idade dos outros três. Sendo ele mais jovem, deu prioridade à voz da sabedoria dos mais idosos. Porém, diante da ineficácia dos argumentos que usaram nas respostas a Jó, julgou ser necessária a sua participação (32:7-18). Ele se achava em condições de suprir a falta deixada pelos mais antigos.

Para alguns comentaristas, Eliú era um jovem arrogante e pretensioso. A maior parte do seu discurso foi usada para anunciar a sua fala e defender a sua intervenção, marcada por auto-exaltação (32:14,17,18), sem que tenha acrescentado algo de novo aos discursos dos demais. Outros o desculpam, alegando que sob a influência da ira, como ele se encontrava, a humildade do homem fica encoberta.

Eliú desejava expressar a sua opinião (32:10,17), certo de haver um conhecimento que vem do Espírito de Deus ao homem (32:8), independente da idade. Por isso, dizia ele, “os de mais idade não é que são os mais sábios, nem os velhos os que entendem o que é reto” (32:9,), convencido de que a sabedoria não é exclusividade dos idosos.

Apoiando-se neste argumento, Eliú passou a falar. Primeiro se dirigiu a Jó, depois aos três amigos e, por fim voltou-se novamente para Jó.

De sua fala a Jó, percebe-se que, à semelhança dos outros três, Eliú também não compreendeu corretamente as intenções e o sentimento de Jó, fazendo inferências equivocadas. Concluiu erroneamente que Jó censurava a Deus por não lhe prestar contas de seus atos (33:13), quando Jó jamais mencionou isso. O desejo ardente do seu coração era ter uma oportunidade de encontrar-se com Deus para ser ouvido e ouvir do próprio Deus uma resposta que lhe permitisse conhecer os motivos do seu sofrimento. Somente o Senhor poderia lhe dar uma explicação pertinente, coisa que os amigos não conseguiram fazer. Ao invés de ser uma intenção petulante, o propósito de Jó expressava o reconhecimento da supremacia de Deus. Por isso, foi também descabida a afirmação de Eliú, em tom de censura a Jó, de que “Deus é maior do que o homem” (33:12). Esta é uma verdade inquestionável, para não dizer óbvia, que Jó nunca contestou. Ao contrário: em todo o livro, ninguém afirmou esta verdade de forma mais eloquente e intensa do que o próprio Jó.

De modo geral, o discurso de Eliú seguiu a mesma linha de pensamento dos outros três amigos. A base de seus argumentos era também a doutrina de que “Deus retribui ao homem segundo as suas obras” (34:11).

Contudo, Eliú ampliou o objetivo desta doutrina. Enquanto os outros amigos ficaram restritos à ideia de que o sofrimento é castigo pelo pecado, Eliú incluiu em seu discurso o propósito disciplinar e educativo da aflição, por meio de argumentos que podem ser vistos como uma explicação para a presença do bem e do mal na vida do homem. Sendo assim, o sentido do sofrimento dependeria do proveito que o homem fizesse dele.

Sua tese era a de que a providência de Deus é adversa para o ímpio, porém benigna para o justo (36:6-7). Se o homem está preso a aflições é porque os seus pecados o levaram a isso. Neste caso, Deus fará da aflição um instrumento disciplinar. Considerando que a finalidade da disciplina é sempre benéfica, Deus levará o homem a ver as suas transgressões e lhe dará instruções para que se arrependa e se converta da iniquidade (36:8-10). Recorrendo ao tema da retribuição, Eliú afirmava que o homem que aceita as lições do sofrimento é conduzido à felicidade, enquanto o que as rejeita é levado à ruína (36:11-14).

Para Eliú, Jó se encontrava na segunda situação. Ele estava sofrendo as consequências do seu pecado e precisava sair do caminho de rebeldia para ter a felicidade restaurada (36:16-17).

Em parte, Eliú estava certo. O sofrimento pode, sim, ser um instrumento educativo. A Bíblia confirma esta verdade no Salmo 119:67: “Antes de ser afligido andava errado, mas agora guardo a tua palavra”.

Porém, como se deu com os outros amigos, o equívoco de Eliú foi pensar que o pecado individual é a única causa do sofrimento humano. Ele, como os outros, não conseguia compreender que podem existir outros motivos por trás das aflições e que a presença do mal na vida do homem não se deve unicamente à falha pessoal.

A vida de Jó tem nos mostrado que nem sempre é assim.

 

Consulta Bibliográfica

BÍBLIA VIDA NOVA. 16ª ed.

São Paulo: Vida Nova, 1992.

DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 2ª ed.

São Paulo: Vida Nova, 1995.

ANDERSEN, Francis I. Jó, Introdução e Comentário

São Paulo: Vida Nova, 1984.

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