A CARTA AOS EFÉSIOS III – O DESAFIO DA UNIDADE CRISTÃ (Efésios 4)
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A CARTA AOS EFÉSIOS III – O DESAFIO DA UNIDADE CRISTÃ (Efésios 4)

Na carta que enviou aos crentes de Éfeso, primeiro Paulo desenvolveu naqueles crentes o que chamaríamos hoje de “visão do todo”. Iniciou abordando a situação do homem no pecado, depois introduziu o tema do novo homem, resgatado do império das trevas e transformado em nova criatura. A partir dessa identidade transformada, a nova criação, em Cristo, já não considera as barreiras culturais, raciais e até religiosas.

Este mistério, objeto do capítulo 3, é tão magnífico que coloca o apóstolo de joelhos diante de Deus em oração, quando intercede para que os crentes compreendessem, alcançassem o significado das quatro dimensões da graça de Deus, que ele chama de largura, comprimento, altura e profundidade. Paulo deseja que aqueles crentes recebam a visão desse mistério e que fossem revestidos de poder de tal modo que enxergassem a posição que ocupavam nesse plano de Deus. Ao orar por eles, Paulo também nos incluiu, quando acrescentou: “a esse glória na igreja por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre, amém.”

Assim, também para nós, Igreja de Cristo, foi lançado o desafio da compreensão da magnitude do alcance da graça, o que deve nos estimular a buscar cada vez mais vislumbrar o que significa pertencer a este plano de Deus de ter em cada crente uma nova criatura ou um referencial, um alicerce para que outros sejam edificados. É a ideia da Igreja, revestida de poder, transformando a sociedade incluída nas dimensões que Paulo mencionou.

Agora, no capítulo 4, objeto do nosso estudo de hoje, a convocação não é mais ao conjunto de crentes mas sim a cada indivíduo. Paulo nos convoca a reconhecermos, individualmente, a nossa parte nesse novo homem ou corpo de Cristo. Importante observar que cada um é convocado a formar uma unidade e não a desenvolver pequenas células ou ilhas. O crente, parte que é do Corpo de Cristo, a Igreja, é chamado a contribuir para que a unidade seja preservada.

“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados. Com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.” Ef. 4,1-3.

É a uma nova atitude que Paulo nos convoca. ( SHEDD, Russell. Tão grande salvação. P. 58 e 59). Essa atitude é percebida quando existe humildade, mansidão, longanimidade que, exercitadas em amor, produzem a paz. Já de pronto temos o vislumbre do quanto erramos quando colocamos nossos interesses acima de qualquer coisa, fazendo deles o nosso único objetivo a tal ponto que nada mais importa, mesmo que o resultado da nossa obstinação seja a discórdia, a mágoa, a desunião na Igreja.

W.G.M.Martin, comentando este texto bíblico afirma: “os muitos cismas que aparecem na unidade cristã, através da história da Igreja, são devidos, não tanto a grandes crimes e a planos maquiavélicos entre irmãos, nem a vastas e profundas diferenças de opinião, mas na maioria dos casos, à falta dessas simples virtudes básicas à fé cristã que sustêm a unidade de todos.”(Novo Comentário da Bíblia, p.1260)

Não seria equivocado dizer que os que não cultivam a atitude proposta por Paulo ainda não experimentaram os efeitos do novo nascimento. Possuem linguajar de crente, mas ainda não passaram pelo processo de conversão. Aqui, precisamos aprender a nos analisar a nós mesmos e identificarmos em nós -- e não nos outros – aquilo que denuncia a nossa situação diante de Deus.

O tema principal do capítulo é desenvolvido a partir do versículo 16. Agora são descritos os elementos éticos da vida cristã e algumas orientações básicas para a vida familiar. Não abordaremos estas, mas nos deteremos nas primeiras, porque se constituem em complemento às virtudes que afetam a unidade da Igreja.

O apelo para que consideremos os aspectos éticos é justificado pelo versículo 15: “Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo.” Se, a partir da leitura dos três primeiros capítulos pensávamos que já tínhamos tudo, percebemos agora que Paulo nos exorta a um crescimento em Cristo, a partir da verdade. A explicação para esta orientação está descrita nos versículos de 17 a 24, que devem ser lidos e estudados também.

Foi muito feliz o Dr. Russell Shedd, quando usou a metáfora da cebola para explicar este processo. Pessoalmente não aprecio a cebola, mas ela nos ajuda muito aqui como, concordo, em alguns temperos.

Diz o Dr. Shedd: “a cebola, como todos sabem, tem uma casca seca de fora; tira-se esta casca para poder comê-la, mas é interessante que, tirando aquela primeira casca, é possível tirar outra e ainda outra e depois outra até que a cebola acaba. É este o conceito da renovação contínua que põe à parte o velho homem, as velhas práticas, as velhas atitudes. Seja o que for que eu esteja aprendendo hoje, terei que reaprender amanhã em termos de vaidade, de dureza e insensibilidade, de dissolução (aquilo que destrói em vez de edificar), de ambições e de avareza. Enfim, somos cebolas mesmo! E eu gostaria de perguntar a mim mesmo: neste processo de descascar, onde estou? Sem dúvida já entregamos a nossa vida para a operação de Cristo por meio do Espírito; Ele já tirou aquela primeira casca. Cristo quer fazer mais, transformando cada um desses níveis da nossa personalidade, imbuindo-a com a sua mentalidade.” (SHEDD, R. op. cit. p. 65).

Quatro contrastes são apresentados a seguir. Eles nos lembram o Sermão da Montanha, quando Jesus citava a Lei e depois acrescentava: “eu, porém, vos digo...” O primeiro deles é: “por isso, deixai a mentira e falai a verdade cada um com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros.”(Ef. 4,25) A mentira aqui não é limitada ao que se diz, mas também evoca o que se vive. É a figura da máscara. Quem está se cobrindo cada vez com mais e mais máscaras de santidade exterior em vez de permitir a atuação do Espírito no seu interior, mais se afasta do modelo que Cristo deixou.

O seguinte, “irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” A irritação precisa ser limitada ao que Deus abomina. “Alimentar ira pessoal ou mesmo irar-se justamente por um longo tempo, faz com que o maligno entre em nossa vida.”(MARTIN, op.cit. p.1202). Dr. Shedd acrescenta: “quem fica sempre irritado, um dia ou outro sentir-se-á obrigado a se aliar àqueles que querem mudar o mundo pela violência. Deve ser por isso que Deus nos manda, como discípulos de Cristo, fazer com que à noite, ao pôr-do-sol, acalmemos nossa alma na presença de Deus e reconheçamos que nós não podemos mudar o mundo sem a cooperação dEle.”(SHEDD, op. cit. p.66)

O terceiro contraste é claro: “aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade.” Ef. 4,28 A ilegalidade do roubo é contrastada com a legalidade da generosidade. É provável que o furto fosse considerado natural no comportamento dos gentios anterior à conversão. Paulo desejava destacar este aspecto, porque entendia que o agora crente poderia não perceber que furtar é estar no sentido contrário do caminho de Deus. É, trazendo para a nossa cultura, o hábito de fazer errado porque todo o mundo ao redor o faz. O furto já está tão enraizado na sociedade que nem se percebe quando o empregado furta horas de trabalho, leva atestado que comprova doença inexistente, ou quando o comerciante deixa a balança descontrolada ou a bomba de gasolina não zerada e outras coisas simples mas que caracterizam furto. Curiosamente, Paulo não critica o que agia assim antes da conversão, simplesmente acrescenta: não furte mais.

Por último, o contraste que de tão simples chega a nos assustar: “não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para a edificação, para que dê graça aos que a ouvem.” Ef. 4,29 Paulo quer que tenhamos a nossa boca santificada por Deus ao ponto das nossas palavras serem boas para os que as ouvem. São aquelas palavras que, sábias e suaves, ajudam a pessoa a se erguer, a ser melhor. Linguagem indecente ou palavrões, palavras carregadas de ira, raiva, ódio, maldade e que tais, piadas que contêm pensamentos sujos, imorais, tudo isso deve ser eliminado da boca daquele que se diz comprometido com Deus.

Eliminar a mentira, a ira, o furto e o palavreado sórdido são as orientações que Paulo deixa para os crentes em Éfeso. Curiosamente, estão inseridas no conceito de unidade cristã e, por isso, sem receio algum podemos dizer que descuidar nisso é passo certo para a divisão no Corpo de Cristo. Conselho desafiador e atual. Que imediatamente o coloquemos em prática.

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