BÊNÇÃO E DESAFIO (Marcos 10)
- Ana Maria Suman Gomes
- 24 de mai. de 2021
- 5 min de leitura
Com certeza muito temos aprendido sobre o significado do ministério de Jesus entre nós durante os últimos nove capítulos estudados. Os doze primeiros versículos do capítulo 10 foram dedicados aos ensinamentos de Jesus sobre o casamento e o divórcio. Este tema tem sido questionado na sociedade contemporânea, razão por que faremos bem em tratá-lo com humildade e desejando, realmente, seguir o que Jesus achou por bem destacar.
A aula se passou na Judéia, além do rio Jordão, onde encontrou multidões a sua espera. Marcos torna clara a situação: “levantando-se Jesus foi dali para o território da Judéia, além do Jordão. E outra vez as multidões se reuniram junto a ele e de novo ele as ensinava, segundo o seu costume.” Os fariseus, sempre de prontidão, aproximaram-se para colocar Jesus à prova. Interessante ver como homens tão preparados ainda não haviam-se dado conta da impossibilidade de apanharem Jesus em algum conflito. Nem tão perspicazes eram eles, concorda?
Jesus já os havia derrotado nos argumentos sobre o Sábado e sobre o ritual de limpeza e agora aparecem os mesmos letrados com um outro problema: a interpretação existente sobre a autorização para o divórcio. Em resposta à pergunta: é lícito ao marido repudiar sua mulher? Jesus não somente negou o ensinamento em vigor relativo ao divórcio, mas também ao dos saduceus. Ele demonstrou, ensina-nos o Dr. Raymond Brown, que a verdadeira liberdade vem da pessoa que sabe que o matrimônio foi instituído por Deus e que a entrega de um cônjuge ao outro significa o cumprimento da vontade de Deus. Ou seja, Jesus respondeu que a vontade de Deus é que as pessoas unidas em matrimônio não se divorciem.
A permissão para o divórcio, registrada em Deuteronômio 24:1-4, foi, disse Jesus, uma concessão à falta de compreensão da mente humana. Os judeus tinham o casamento em mais alta conta. Era esperado que um homem judeu se casasse aos 18 anos e uma mulher, com frequência, era prometida em casamento aos 13 anos. Os fariseus ensinavam que um homem poderia divorciar-se de sua esposa por razões pequenas. Já os saduceus, criam que era permitido o divórcio somente em caso de adultério, de acordo com os ensinamentos de Shamai, outro rabino. Não só o homem poderia solicitar o divórcio, mas igualmente a mulher poderia fazê-lo, em situações extremas como, por exemplo, o envolvimento do marido em situações ilícitas, ou se fizesse voto em detrimento dela ou ainda se contraísse determinadas enfermidades.
Jesus iguala a responsabilidade na manutenção do matrimônio entre os dois cônjuges, pois foi uma instituição formada no tempo da criação. A questão do divórcio e do novo casamento continua sendo um assunto muito difícil no mundo de nossos dias. A vontade de Deus não precisa ser revogada porque o caráter de Deus não mudou. Mas sabemos que também permanece sendo o Deus amoroso, redentor e perdoador que enviou Jesus. Ele se manifesta como sendo o Deus da graça para todos aqueles que perdem o perdão, renovam propósitos, quaisquer que tenham sido seus fracassos, incluindo o fracasso na vida conjugal. Ele concede renovação da alegria para todos os que se decidem a fazer a Sua vontade, mesmo depois de um casamento derrotado.
Depois de um assunto tão difícil, surge como um bálsamo a história que se segue, quando Jesus abençoa as crianças. O povo judeu dos tempos bíblicos tinha um profundo amor pelas crianças, que eram consideradas dádivas de Deus e até sinais do favor de Deus. Era ensinada a bondade para com os órfãos e os meninos pequenos que iam à escola eram recebidos com muito carinho.
O mundo gentio, no entanto, não dava essa importância à criança. Raymond nos informa que, em uma carta escrita no ano primeiro da nossa era, um egípcio chamado Hilarión escreveu à sua esposa que estava esperando um bebê: “se for um homem, deixa que viva; se mulher, mate-a”. Platão e Aristóteles, dois dos maiores mestres gregos, escreveram que os filhos com defeito não deveriam viver.
Diante disso, Marcos 10:13 a 16 exibe que a liberdade do discipulado cristão se manifestava também no amor pelas crianças: “e tomando-as nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava.” O Reino de Deus pertence aos pequenos porque aprenderam a receber: estavam dispostos a abrir suas mãos para aceitar as dádivas, e isso indica o caminho para Deus, ou seja, a liberdade da entrega que confia o seu futuro às mãos do Pai. Elas, pequeninas, não podiam conseguir nada por si mesmas, deveriam receber. Se quisermos ter acesso ao Pai, precisamos receber a dádiva de Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida. Daí, a advertência do Mestre: “em verdade vos digo: quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele.” Marcos 10:15.
O episódio que se segue, ouvintes atentos, trata do encontro de Jesus com um homem que, ajoelhando-se diante dele, perguntou: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Normalmente, as pessoas não se ajoelhavam diante dos rabis, e assim vemos que, ao fazê-lo, o homem demonstrou um profundo respeito por Jesus.
A resposta de Jesus o ajudou a refletir sobre a forma como estava empregando a sua vida. Jesus quis ouvir dele o que já sabia: seu empenho em guardar os mandamentos da Lei de Moisés. A resposta não se fez esperar: “tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade”. Interessante que o fato da guarda fiel aos mandamentos não havia trazido paz à sua alma, pois sabia existir algo que desconhecia. Jesus caminhou dentro do universo dele: “uma coisa te falta: anda, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás tesouro nos céus e depois vem e segue-me”.
Vamos tentar entender a tristeza que se apoderou daquele homem: o judaísmo ensinava que as riquezas eram bênçãos de Deus. Para ele, as riquezas eram essenciais ao ponto de não poder abrir mão delas em prol do bem estar de outros. Em Mateus, no Sermão do Monte, Jesus é explícito ao afirmar: não ajunteis tesouros na terra. Agora, com a retirada apressada de um homem aparentemente perfeito, mas que havia colocado nas riquezas a razão da sua vida, os discípulos estavam confusos: se para uma pessoa que tenha sido abençoada com riquezas por causa da sua piedade é difícil entrar no reino de Deus, o que diremos nós? Quem poderá, pois, salvar-se? Como é perigoso colocar em riquezas a nossa confiança!
Diante de tantas ocorrências, Jesus mais uma vez aborda com seus discípulos a paixão que se aproximava. Foi a terceira vez que tocou no assunto, e esse tema, ou seja, o da sua morte iminente está presente em todo o Evangelho de Marcos. Enquanto percorriam o caminho de Jerusalém, os discípulos estavam cheios de temor. Só fica apreensivo quem não conhece as circunstâncias e por isso, em um gesto de profundo amor, Jesus quis que eles estivessem cientes tanto das más notícias quanto das boas.
Temos diante de nós o versículo 45, um dos mais importantes do Evangelho de Marcos: “pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” Aqui Jesus menciona o significado redentor da sua morte iminente. O que ele estava dizendo era: o Filho do Homem veio para morrer por toda a raça humana. Eu, Jesus, aqui estou para poder trazer toda a raça humana para Deus. Eu posso fazer o que a pessoa, por mais bem intencionada que seja não é capaz: eu dou a minha vida como resgate, como o caminho de libertação determinado por Deus para a Humanidade.
O serviço é o elo que une Jesus, Deus e os discípulos. O caminho para a cruz, que Jesus estaria prestes a fazer em substituição à Humanidade, era o plano de Deus para o Filho. O levar a cruz por Jesus, é o que compete aos discípulos. Honrar o casamento, amar as crianças, ter desapego às coisas materiais mesmo que tenham sido concedidas por Deus e servir ao próximo, é tarefa para aquele que crê em Jesus e que deseja estar com Ele na eternidade.
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