Leio no Evangelho de João capítulo 20, trecho dos versos 24-30:
24 Tomé, chamado Dídimo, um dos doze, não estava com os discípulos quando Jesus apareceu
25 Os outros discípulos lhe disseram: Vimos o Senhor! Mas ele lhes disse: Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei.
26 Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles. Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês!”
27 E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia”.
28 Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu!”
29 Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”.
30 Jesus realizou na presença dos seus discípulos muitos outros sinais miraculosos, que não estão registrados neste livro.
31 Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e,crendo,tenham vida em seu nome.
A comprovação efetiva de um milagre raramente é inquestionável; muito mais no nosso contexto do século vinte e um, com sua mentalidade científica, racional e, sobretudo, cética. Esta busca da comprovação fica no meio de um fogo cruzado, entre os que não creem em milagres e os que não admitem qualquer dúvida sobre eles.
Estamos aqui diante do dilema de Tomé. Ele queria provas para aceitar o milagre da ressurreição de Jesus. As provas que desejava ter eram específicas e inquestionáveis: não apenas ver, mas tocar nas mãos furadas pelos pregos e no lado dilacerado pela lança do soldado. Tomé queria ter a certeza da verdade; Tomé não aceitava o testemunho de terceiros, ainda que viesse da parte de seus companheiros de tantas jornadas. Tomé teve as provas que requeria e pôde validar o milagre, não sem receber uma séria advertência de Jesus: “Tomé, porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”.
Esta palavra do Mestre a Tomé coloca a questão de milagres no lugar a que pertence: eles são uma questão de fé. Por mais que se possa explicar – ou não se possa explicar – um milagre, não é a explicação que valida o milagre. O que valida um milagre é a crença de que ele ocorreu, e, por conseguinte, de quem atuou para que ele se realizasse.
É aí que estamos no dilema de Tomé: ver para crer ou crer sem ver. Se quisermos crer apenas após certificar-nos, facilmente nos transformaremos em céticos, duvidando de tudo e nos limitando ao que é físico, mensurável e palpável; desde modo acabamos matando a fé. Se, no outro lado do dilema, crermos em tudo, podemos nos tornar em um daqueles que são levados por qualquer engano, vítimas de todas arapucas, clientes de todos aproveitadores.
Será que não há solução para o dilema de Tomé? Sem dúvida há, e a solução simples é que a fé é algo que deve ser depositada em alguém e não em uma coisa ou um acontecimento. Não faz sentido alguém declarar, por exemplo: ‘Tenho fé que vou ganhar esta MegaSena’. Uma declaração deste tipo não é demonstrações de fé, é palpite, ou no máximo intuição.
Podemos construir outro exemplo em uma hipotética suspeita de traição conjugal. Se o lado não envolvido na suspeita declarasse: ‘eu tenho fé que a traição não ocorreu’ não faz nenhum sentido. Se, porém, declarasse: “eu tenho fé que o meu marido – ou minha mulher – não me trairia”, a declaração faz sentido. A fé não é depositada no fato, mas em quem a pode realizar.
Quanta gente se engana colocando a sua fé nos lugares onde se diz que ocorrem milagres: não há lugares milagrosos. Quanta gente se engana colocando a sua fé em rituais que se diz ocasionarem milagres: não há rituais milagrosos. Precisamos ter em perspectiva a quem direcionamos a nossa fé. Sabendo em quem depositamos a nossa fé, não precisamos mais discutir provas ou evidências, pois a nossa fé é maior que qualquer prova e elas se tornam desnecessárias.
Não é preciso reafirmar que é em Deus e em ninguém mais, vivo ou morto, no céu, na terra ou em qualquer lugar que devemos colocar a nossa fé. Ainda que são recorrentes alternativas de destino da fé pessoal que não Deus, ao fim tais alternativas decepcionam seus fiéis. Tal como o Apóstolo Paulo,devemos com veemência bradar:“... porque sei em quem tenho crido e estou bem certo de que ele é poderoso para guardar o que lhe confiei até aquele dia”.[2 Tm 1.12].
Fé e milagres andam juntos. Precisamos de fé para pedir milagres; precisamos de fé para explicá-los; precisamos de fé para discernir os verdadeiros milagres e os pseudo milagres. Os milagres pertencem ao campo da fé e é a nossa fé que dará sentido a eles. De fato, a nossa fé não apenas dá sentido aos milagres, mas a toda nossa vida, como nos ensina Hebreus 11 versos 1 e 2.
“Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Pois for por meio dela que os antigos receberam bom testemunho. Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que aquilo que se vê não foi feito do que é visível”.
Milagres sem fé até podem existir: tantos acontecimentos extraordinários que não cremos ser possível e que, como Tomé, duvidamos que pudessem ocorrer, mas os milagres são maiores que a nossa fé. Por outro lado, fé sem milagres é impossível, deixa de ser fé para ser descrença.
Fiquemos com os milagres pela razão correta e na perspectiva de Deus.
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