VIAJANDO PARA OUTRAS PARAGENS (Marcos 7)
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VIAJANDO PARA OUTRAS PARAGENS (Marcos 7)

É com grande alegria que prosseguimos na série de estudos sobre o Evangelho de Marcos, chegando ao capítulo 7, que nos conta preciosidades a respeito da vida de Jesus.


Como consequência direta da fama de Jesus, os fariseus e escribas vieram até Jerusalém para tentar descobrir em Jesus alguma falta. Mal sabiam eles que seriam confrontados com a falsidade de suas ações e convocados a mudar a forma de agir e de pensar. Eles consideravam Jesus um leigo e sendo líderes da religião, achavam-se em vantagem. Marcos se dispôs a enfatizar a diferença radical entre os dois lados.


Raymond Brown nos conta que os escribas procediam de todos os estratos da sociedade e com frequência iniciavam sua educação entre os 7 e 10 anos de idade. Desde então viviam como alunos, contando com um escriba a seu lado. Depois de muitos anos de estudo, eram ordenados. Altamente respeitados pelo seu grande saber, eram os mestres e os juízes oficiais. Chegaram, diante de Jesus, e perguntaram achando que tinham conhecimento de causa: “por que não andam os teus discípulos de conformidade com a tradição dos anciãos, mas comem com as mãos por lavar?”


A menção à tradição dos anciãos era somente uma forma de descrever a lei oral, que eles cultivavam e seguiam. Vale aqui uma curiosidade: a limpeza cerimonial requeria que as mãos fossem lavadas de uma maneira especial, antes da comida. As pontas dos dedos tinham que estar para cima, e alguém jogava água. Se as mãos não eram lavadas exatamente desta maneira, pensava-se que a pessoa era imunda à vista de Deus e pessoas ritualmente limpas eram impedidas de manter contato com quem não estivesse aprovado pelo ritual.


A resposta de Jesus, dirigida a todos os incluídos no versículo 5, é um dos ensinamentos mais importantes do Novo Testamento, e está em consonância com Isaías 29:13, texto que o leitor deve ler oportunamente. Jesus indicou três juízos contra os fariseus e escribas de Jerusalém: ele os repreendeu pela hipocrisia, porque pretendiam ser o que não eram. As coisas boas que eles diziam praticar poderiam muito bem ser um esconderijo para um coração mau.


Em seguida, Jesus declarou que os fariseus e escribas buscavam fazer valer suas próprias tradições, colocando-as em lugar dos mandamentos de Deus. O que Deus procura, segundo Salmo 51: 17 é um coração contrito e humilhado, que não será desprezado. Os fariseus poriam medir as vezes em que a pessoa orava, porém não podiam medir a sinceridade das orações. As regras podem medir uma ação, mas não uma atitude.


O terceiro item mencionado por Jesus foi afirmar que os fariseus estavam usando a lei oral para anular a escrita, permitindo que a maldade humana fosse executada em nome de Deus: “E disse-lhes ainda: jeitosamente rejeitas o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição, pois Moisés disse: honra a teu pai e a tua mãe e quem maldisser a seu pai ou a sua mãe seja punido de morte. Vós, porém, dizeis: se um homem disser a seu pai ou sua mãe: aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é, oferta para o Senhor, então o dispensais de fazer qualquer outra coisa em favor dos seus pais”.


Jesus estabeleceu naquele momento a antítese entre a lei escrita e a lei oral. Notemos o contraste entre “o mandamento de Deus” e a “tradição dos homens”, entre o “mandamento de Deus” e a “vossa tradição”, entre a “Palavra de Deus” e a “vossa tradição”.


Dito isto, passou a ensinar-lhes, mesmo sendo considerado um leigo, que nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar, mas sim o que sai do homem o contamina. Nunca antes o judaísmo havia enfrentado um entendimento tão espiritual em uma relação para com Deus. Sim, nada externo pode separar de Deus uma pessoa, pois a pureza do coração é uma realidade interna. A declaração de Jesus era um ensinamento revolucionário para o povo judeu, e assustou inclusive aos discípulos. Atos maus, linguagem má, atitudes más, isto sim contamina uma pessoa, pois a importância está no que pensamos e fazemos contra a vontade de Deus.


A seguir, Jesus vai ao encontro do território dos gentios. Marcos não nos diz a razão da opção de Jesus, mas algumas hipóteses são levantadas: aumento da hostilidade, cegueira dos escribas e fariseus, mau caráter de Herodes e a reação contrária a ele em sua terra natal. Mas, podemos acrescentar um pensamento a esses outros: o grande plano de Deus em salvar a todos, independentemente de sua raça ou religião. Jesus entrou em território gentio pois a cidade de Tiro estava, aproximadamente, a 50 km do Mar da Galiléia, na costa do Mar Mediterrâneo. Jesus estava adentrando o território governado por Herodes Antipas, o assassino de João Batista.


Ele queria passar por ali sem ser notado, mas uma mulher gentia, da área da Fenícia, prostrou-se a seus pés em sinal de reverência. Ela rogou a Jesus que expulsasse o demônio que estava na filha, mas ouviu a voz mansa e suave de Jesus, responder: eu preciso continuar o ministério em Israel. Afinal, a Palavra foi prometida a eles por meio de concerto, ou seja, a senhora não pode tomar da mesa o alimento destinado aos filhos e nem me compete lançá-lo aos cachorrinhos.


A mulher não se intimidou, apesar de sequer poder dizer que pertencia à raça eleita. Com muita rapidez ela respondeu: É verdade, Senhor. Porém de todas as maneiras os cachorrinhos que ficam ao redor da mesa comem os farelos que caem. Essa resposta comoveu profundamente a Jesus que disse: pode voltar, mulher; o demônio já saiu da sua filha. Imediatamente a mulher obedeceu, pois estava ali por uma questão de fé. E, quando existe fé, nada mais é questionado, somente obedecido.


O relato seguinte é extremamente inspirador. Marcos conta como Jesus curou um surdo-mudo. O amigo poderá ler os detalhes, a partir do versículo 31 do capítulo que estamos estudando. Um pouco de história vai-nos ajudar a compreender melhor o que se passou: os judeus contemporâneos de Jesus criam, baseados na religião deles, que judeus e não judeus tinham que ser conservados separados, a menos que os não judeus adotassem a religião judia. Mesmo diante disso, Jesus curou um surdo-mudo que vivia em Decápolis, onde os habitantes eram, na sua maioria, gentios e com a cultura grega. Para os judeus, tais pessoas eram pagãs e estrangeiras.


A história da cura desse homem é, portanto, a história da compaixão de Jesus por um gentio, um estranho. Marcos diz que “então lhe trouxeram um surdo e gago e lhe suplicaram que impusesse as mãos sobre ele.” A maneira como Jesus atendeu a esse apelo muito nos emociona: “Jesus, tirando-o da multidão, à parte, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e lhe tocou a língua com saliva; depois, erguendo os olhos ao céu, suspirou e disse: Abre-te!


Vamos entender o que Jesus fez: muitas pessoas naqueles dias criam no poder curativo da saliva. Talvez o Mestre tenha feito isso para dar confiança ao homem que não poderia ouvir o que ele dizia. Mesmo sem ouvir, ele sentiu o toque das mãos de Jesus. Curado o homem, as pessoas, disse Marcos, “maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: tudo ele tem feito esplendidamente bem; não somente faz ouvir os surdos, como falar os mudos”.


Queridos leitores, quão profundo era o amor de Jesus pelos homens! Ele não fazia da sua vida motivo para espetáculo, nem massificava a sua mensagem: ele atendia cada pessoa com amor, com inteligência e da forma que ela pudesse efetivamente ser abençoada. Quanto temos a aprender com Jesus, como ainda hoje precisamos desse toque de amor, dessa compaixão.


Graças a Deus pela mensagem do Evangelho que continua tocando a tantos, dois mil anos depois. Apropriemo-nos dessa mensagem, deixemos Jesus nos tocar.

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