João 13
Queridos ouvintes, para compreendermos bem o alcance do capítulo 13, que ora estudamos, precisamos saber que ele integra a primeira parte do segundo livro em João, o Livro da Paixão. Esta parte vai deste capítulo até o de número 17, e pode ser conhecido como Jesus revela o Pai a seus discípulos.
Os eventos aqui descritos aconteceram, na sua maior parte, durante a última ceia de Jesus com os discípulos, objeto dos trinta primeiros versos. Segundo Bernard, a ordem dos acontecimentos provavelmente foi a seguinte: a ceia da Páscoa começa, segue-se a disputa entre os discípulos sobre quem seria o maior (Lc 22,24), Jesus lava os pés dos discípulos; o traidor é anunciado; os discípulos perguntam quem era o traidor; Jesus diz ao discípulo amado que ele mesmo entregaria o bocado molhado ao traidor e efetivamente o faz, entregando-o a Judas. Judas, então, retira-se do local. Em seguida, Jesus institui a Ceia do Senhor, o que só é relatado pelos evangelhos sinópticos. A seguir, Jesus prediz a Paixão e previne Pedro sobre a negação que aconteceria ainda no final da noite.
Uma vez situados, aproximamo-nos do cerimonial do lava-pés, descrito nos 17 primeiros versículos. O evangelho informa que, enquanto ceavam, Jesus se levantou da ceia, tirou as vestes, tomou uma toalha, cingiu-se, deitou água em uma bacia e começou a lavar os pés dos discípulos. Esta era tarefa de empregado ou do hospedeiro. Jesus a toma para si e, Pedro, reage: lavarás os pés a mim? Jesus, então, responde que ele, Pedro, se não permitisse aquilo estaria atestando ser incapacitado para ser reconhecido como discípulo dele. Ser discípulo de Jesus é estar disposto ao serviço. Pedro não desejava ficar fora do serviço e desejou ser todo lavado. Jesus responde que ele, Pedro, já havia sido purificado, bastava apenas manter-se assim. Isto mesmo: não há necessidade de toda hora se converter, atender a apelos e etc. O que é necessário ao discípulo de Jesus é a vigilância para manter-se limpo diante do Salvador.
Judas certamente estava ali. Curiosamente, Jesus também lavou os pés dele. Intrigante? Não creio. Enxergo neste evangelho a insistência em mostrar que Jesus estava sempre querendo salvar. As Escrituras teriam que ser cumpridas, mas ainda assim Judas teve a oportunidade de deixar de lado o seu erro. É sempre assim.
A pergunta que se segue é: será que aqueles discípulos entenderam o gesto de Jesus? Dr. W.C. Taylor apresenta uma sugestão de resposta e amplia a discussão, dizendo: “naquele dia ele estava apenas lavando os pés de uns poucos discípulos. Mas o tempo demonstra que ele estava assim libertando escravos, edificando hospitais, fundando empresas caridosas, inaugurando as ciências sociais e educando a consciência social da Humanidade.”
Gostaria de chamar a atenção dos amados ouvintes para uma coisa: cerimoniais de lava-pés celebrados hoje não fazem outra coisa além de esvaziar o significado do que Jesus fez. Não é a cerimônia que deve ser imitada, mas a disposição para o serviço. Pensemos nisto.
A partir do versículo 18, encontramos Jesus muito triste: “um de vós há de trair”. Os discípulos se entreolham e o “discípulo amado”, por sugestão de Pedro, quer saber quem é. Tal discípulo, anônimo, reaparece ao pé da cruz, diante do túmulo vazio e também no Lago de Tiberíades.
Está reclinado, posição reservada a refeições especiais. Ainda que acontecendo antes da celebração da Páscoa, foi considerada especial pelos discípulos. Jesus responde com uma frase de impacto: “é aquele a quem eu der o bocado molhado”. A palavra bocado aparece somente aqui em todo o NT e, no AT, em Rute 2,14. De acordo com o costume da época, receber o bocado era sinal de favor especial. O prato pode ter contido o molho de tâmaras, uvas passas e vinho azedo, alimentos comuns na refeição pascal. Judas recebeu o bocado. A pergunta que se faz é: por quê? Será que Jesus estava sendo cínico, dando ao traidor o símbolo de favor especial?
Não, não creio. O que o Mestre estava fazendo era sinalizar para aquele discípulo que ainda havia uma chance: retribuir ao seu amor.
O final da história todos sabemos. Ao receber o bocado – e não temos o registro se ele comeu ou não aquele pão – Judas saiu apressadamente. Sim, até então Jesus aguardava o tempo. Agora, era chegada a hora e os fatos se sucedem com muita pressa. Os discípulos aparentemente não entenderam nada, mas o evangelista registra: era noite, no evangelho de João, sinal de trevas espirituais.
Entramos, após este triste relato, na segunda parte do capítulo. Inicia no versículo 31 e vai até o capítulo 14,31. É o relato sobre a partida e a volta de Jesus.
Por hoje, vamos apenas analisar os versículos 31 a 38, que tratam da conversa com Pedro. O afoito discípulo mais uma vez surge na cena para afirmar que estaria disposto a morrer por Jesus. Com amor, Jesus responde que, apesar da sinceridade, ele ainda não conseguiria dar a vida por Ele, pois o negaria três vezes, antes que o galo cantasse.
Para confortar os discípulos, apresenta um novo mandamento: “que vos ameis uns aos outros”. Na verdade, o mandamento em si não tinha qualquer coisa de novo, pois já era ensinado aos judeus. A novidade estava no complemento: “assim como eu vos amei”. Era um mandamento velho, com novo ideal e nova inspiração.
Como poderiam compreender o alcance do ensinamento de Jesus? Não, eles não conseguiam. Lembremo-nos de que este evangelho foi o último a ser escrito. Quando o evangelista começou a escrever a sua versão dos fatos, o fez para complementar o que já estava em circulação, a saber, as cartas paulinas e os evangelhos sinópticos, e também para destacar alguma coisa que, por razões desconhecidas, ainda não havia sido salientada. Apreender a mensagem só foi possível, então, após a cruz e principalmente após a ressurreição.
Queridos ouvintes, o amor cristão tem como base a cruz. Sem a transformação do coração, não é possível entender e colocar em prática os ensinamentos de Jesus. É o significado da cruz que nos interpela e nos faz responder. Judas teve a sua oportunidade. Nós também. A forma como iremos responder é o que importa. É questão de vida ou morte.
APOIO BIBLIOGRÁFICO
ALLEN, Clifton J.(editor) Comentário Bíblico Broadman vol. 9 .Rio de Janeiro: JUERP. 2ª. edição. 1987. BORTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João – O caminho da vida. São Paulo: Paulus. 7ª. edição 2005. BRUCE, F.F. João – Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão. 1987. CHOURAQUI, André. A Bíblia – Iohanân (O Evangelho Segundo João). Rio de Janeiro: Imago. 1997 TAYLOR, W.C. Evangelho de João –Tradução e Comentário. Volumes I, II e III. Rio de Janeiro:Casa Publicadora Batista. 1946.