Uma vez em Cristo, Paulo afirma que passamos a ter sua mente: “Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo”. (I Coríntios 2.16) Intrigante é o detalhe textual que Paulo, deliberadamente, expõe: ninguém conhece a mente do Senhor pra instruí-lo, contudo o apóstolo afirma que temos a mente de Cristo. O que Paulo diz é que não possuímos a mente de Cristo para domínio de sua inteligência, mas para comunhão com seu pensamento. Sabendo o quanto era perigosa uma mente sem o senhorio de Cristo, o mesmo Paulo avisa: “...toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” ( II Coríntios 10.5).
A mente de Cristo produz em nós os desejos certos. Passamos a desejar tudo aquilo que Cristo deseja: paz, amor, alegria, cura. Passamos a ter prazer no que enche o coração de Deus. Desfrutamos da maravilha de ter uma identidade abençoadamente plena, ciente de que suas limitações não são obstáculos à atuação de Deus em nós, por meio do Espírito Santo.
A comunhão com Cristo sempre foi um desejo dele. Em Marcos 3.13-15, lemos: “Depois, subiu ao monte e chamou os que ele mesmo quis, e vieram para junto dele. Então, designou doze para estarem com ele e para os enviar a pregar e a exercer a autoridade de expelir demônio”. Note o detalhe: “chamou os que ele mesmo quis”; “para junto dele”. O desejo de Jesus sempre foi em direção à comunhão.
Em João 15.16, Jesus diz aos seus discípulos: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vô-lo conceda”. Interessante é algo que Philip Yancey escreveu sobre algo intrigante sobre esta passagem: “A igreja foi um risco que Deus correu”. E ele vai mais longe ao afirmar: “chego a ver na humanidade falha da igreja o paradoxo de um sinal de esperança. Deus presta à raça humana o maior elogio, escolhendo viver com os vasos de barro que somos nós”.
Muitos de nós ainda somos prisioneiros da intimidade. Vivemos encarcerados em nós mesmos, nos claustros de nossa intimidade ferida, sob os escombros da vergonha. Se não tenho um encontro comigo mesmo, a tendência é tornar-me meu pior inimigo íntimo. Vivemos dias de almas em fúria. As enfermidades da alma têm se alastrado como uma terrível epidemia do desesperado. A desumanidade crescente, a insensibilidade, assustadora e a indiferença monstruosa são sintomas da desconstrução do afeto na humanidade doentia de hoje. Nunca se precisou tanto de comunhão.
Muitos estão em plena confusão com sua própria alma porque ainda não se acertaram com Deus. Não são poucos os que, mesmo nos bancos das igrejas, arrastam consigo o peso terrível da decepção com Deus. O que mais incomoda no relacionamento com o Pai é a absurda sensação de ausência. Essa dor da abstração é o que costumo chamar de ‘monstruosidade do vazio’. Essa não é uma decepção só nossa. A Bíblia é repleta de frases de pessoas que enfrentam esse dilema: “por quê?”; “desperta!”; “onde estás?”. Por causa dessas algemas da alma, muitos vivem em estado de fúria contra Deus. Outros querem as fugas, apelando para as relações monetárias, nas quais Deus se torna uma espécie de “gênio da lâmpada”: satisfeitos os desejos, ele volta à solidão e à decepção de sua lâmpada. O claustro divino. Pensemos nisso, seriamente.
A comunhão consigo mesmo só é possível por causa da graça. É por meio dela que conseguimos sair dos labirintos de uma intimidade adoecida e encontrar a luz da paz e da transformação. Não há carrasco pior do que o nosso coração. A graça é capaz de eliminar as toxinas da culpa; ela nos garante a assombrosa verdade de que Deus nos ama como somos, sem disfarces ou máscaras, sem as tatuagens da religião, sem as sombras do passado.
A graça liberta-nos para sermos nós mesmos, mas – agora – transformados por Deus, por meio do encontro com Cristo. Quando Deus nos transforma, não nos leva a sermos aquilo que nunca fomos, por isso seria admitir uma falha no processo primário da nossa criação. Quando Deus nos transforma, ele nos devolve à forma original, a que ele pensou com amor ao nos criar!
A igreja legitima-se na celebração das suas diferenças, não em sua asfixia. Ela é a comunidade do encontro: um vem como proposta e o outro como resposta, celebrando e participando assim do mistério/milagre da convivência. É a bênção de compartilhar numa sociedade de egoísta. É a alegria do pertencer , da pertença, na era da indiferença.
Muitos caem no engano do isolamento: rompem com a igreja por causa de suas deformidades existenciais. Buscam na comunidade dos imperfeitos a perfeição que só Deus pode dar. A igreja, apesar das inúmeras imperfeições, ainda é o ambiente onde encontramos a graça – e isso nos basta!
Quando procuro uma igreja “como eu”, estou simplesmente abafando todos os sinais da diversidade, perdendo a grande bênção que é ter gente diferente de mim no caminho da salvação. Tomei um choque ao pensar nisso e me envergonhei... Gente que, exatamente por ser diferente de mim, pode me ajudar a ver o que não vejo, e pode me ajudar a acertar com os outros! Paul Tournier disse uma verdade incrível: “existem duas coisas que uma pessoa não pode fazer sozinha: uma é casar, a outra é ser cristão”. Às vezes não pensamos nisso...Saibamos de uma vez por todas: na igreja cabem TODOS os homens e mulheres, TODOS aqueles que se renderem aos pés de Jesus! Pensemos nisso, seriamente!...
A primeira carta de Paulo aos Coríntios, foi escrita para uma igreja formada por mercadores judeus, ciganos, gregos, prostitutas, idólatras pagãos e gente com mentalidade sexual deturpada. Você sabia disso? Os primeiros capítulos mostram o apóstolo preocupado com uma inquietante questão que ainda nos assola: “afinal, o que é isso que se chama igreja?”. Interessante é que Paulo nunca fez essa pergunta no tocante ao judaísmo ou às outras culturas pagãs. Mas o que é igreja? Com o que se parece? O que Deus tinha em mente? Por isso, Paulo procura metáfora perfeita: lavoura, edifício. Paulo prossegue nessa busca até que, no capítulo 12, encontra aquela que se encaixa perfeitamente: corpo!
Neste ponto o livro muda de tom, e Paulo passa a elevar o estilo de uma simples correspondência pessoal para prosa magistral do capítulo 13. Quando temos comunhão com os outros, somos abençoados nas diferenças e atestamos a glória de Deus atuando em nossa natureza egoísta, celebrando a unidade! Foi duro, muito duro ouvir isso do meu Deus, ao ler a sua Palavra e nela meditar neste final de semana, pisei miudinho, como menino travesso, quase irredutível, logo eu, um tremendamente chato e radical, demais...
Que o Senhor tenha sempre paciência comigo e com você, para que estejamos “plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós (nós) há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6).
Deus nos abençoe a todos nós!