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A PARÁBOLA DA LUZ ESCONDIDA

Lucas 11.33-36

33 “Ninguém acende uma candeia e a coloca em lugar onde fique escondida ou debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, para que os que entram possam ver a luz. 34 Os olhos são a candeia do corpo. Quando os seus olhos forem bons, igualmente todo o seu corpo estará cheio de luz. Mas quando forem maus, igualmente o seu corpo estará cheio de trevas. 35 Portanto, cuidado para que a luz que está em seu interior não sejam trevas. 36 Logo, se todo o seu corpo estiver cheio de luz, e nenhuma parte dele estiver em trevas, estará completamente iluminado, como quando a luz de uma candeia brilha sobre você”.

Jesus Cristo utilizou com abundância a imagem da luz nos seus ensinos. Ele mesmo se apresentou como a ‘luz do mundo’ (Jo 8.2), e o evangelista João na abertura do seu relato enfatizou Jesus como a revelação da luz. Diversas parábolas também empregam a mesma imagem, como desta que terminamos de ler. No entanto, é preciso atentar que a luz não foi sempre utilizada para clarificar uma única e mesma ideia. No caso da presente estória devemos perceber que a luz aqui foi apresentada em forma de candeia, o que significa para nós lâmpada, e a candeia foi associada com os nossos olhos. Assim, nesta parábola específica, Jesus está dizendo que os nossos olhos são a nossa lâmpada, isto é, os nossos olhos são a luz que ilumina o nosso caminhar na vida. Temos que focar neste aspecto para refletir no que este ensino significa e deixar de lado as outras aplicações em que Jesus utilizou o símbolo da luz. O chamamento do Mestre para sermos luz do mundo não é o foco aqui, embora também seja um ensino seu que conhecemos bem e devemos praticar.

Delimitado o que objetivamos considerar, é preciso mencionar que esta parábola que faz a associação olhos-luz é repetida mais uma vez no mesmo evangelho de Lucas (8.16-17), além é narrada em Mateus (6.22-24). O conceito continua presente em outras porções do Novo Testamento, como nas palavras de Paulo: “Oro para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos,” (Ef 1.18).

Comecemos pensando na função dos olhos. Jesus enfatizou a necessidade de ‘olhos bons’, o que, em termos físicos, a grande maioria de nós por natureza não possui. Felizmente, para a quase totalidade das deficiências visuais temos recursos corretivos, como lentes e óculos. Precisamos de uma ‘ajudinha’ para que nossos olhos se tornem bons e possam cumprir a sua função. Os olhos são o mais importante órgão de percepção da realidade externa a nós. Podemos também ouvir, cheirar, degustar ou tatear para entender o nosso redor, mas nenhum outro sentido nos orienta e esclarece mais do que a visão. Os olhos nos apresentam as opções de caminhos que temos à frente; os olhos, se bem usados, servem para entender o que o roteiro que escolhemos nos reserva mais adiante, antecipando a percepção dos perigos ou dos deleites que nos aguardam. São os olhos que nos abrem o mundo fantástico das cores e suas intermináveis nuances, das expressões emocionais dos rostos e de toda linguagem de corpo dos nossos próximos. Enfim, são os olhos que nos capacitam a discernir o sentido e o valor das coisas.

Passemos à lâmpada. Jesus nos lembrou a respeito do básico a respeito da candeia, o mesmo valendo para a lâmpada: ela precisa ser acessa e precisa estar convenientemente posicionada. De nada vale ter uma fonte de luz à disposição, se ela não for ativada ou se ela for restringida de espalhar sua claridade de modo a espantar a escuridão. Essas verdades que Jesus destacou parecem óbvias demais e no mundo físico as praticamos sempre que necessário, sem que alguém nem nos ensine e nem nos lembre a respeito. No entanto, ao intencionar levar estas verdades para onde Jesus as queria aplicar, nas coisas espirituais, tudo se complica.

O alerta que esta parábola contém para nós não é sobre o risco de um apagão. Um pressuposto básico deste ensino é que temos a fonte de luz. A lâmpada não brilha se não estiver ligada a uma rede elétrica energizada; a candeia jamais lançará luz se sua botija estiver seca. Reconhecer que Jesus é a verdadeira luz, que ilumina todos os homens (Jo.1.9) é o ponto de partida, que deve ser considerado como entendido e aceito. O alerta veemente desta parábola é contra o nosso mau uso desta luz disponível, que pode fazer que fiquemos vagando em trevas apesar de ter acesso à fonte de claridade. Somos chamados à responsabilidade de deixar a nossa lâmpada acessa e de posicioná-la de modo que ela ilumine toda a nossa vida.

Mas é preciso entender mais do que esta responsabilidade no que diz respeito ao que só nós podemos fazer por nós. Nós somos os únicos responsáveis pela escuridão da nossa vida: “cuidado para que a luz que está em seu interior não sejam trevas”. Não é possível desprezar a sutileza desta advertência do Mestre: a luz está no nosso interior, Jesus está presente; no entanto, as nossas ações, as nossas vontades, as nossas prioridades e os valores que escolhemos privilegiar tem a capacidade de anular a luz e nos colocar no breu das trevas. É aí que somos chamados ao cuidado!

Muitos textos bíblicos nos ajudam a enfatizar esta questão, um deles é Salmos 119.105: “a tua palavra é a lâmpada que ilumina os meus passos e a luz que clareia o meu caminho”. No seu amor e dedicação à Palavra de Deus, o salmista antecipadamente cumpriu o conselho de Jesus; talvez possamos dizer que o ensino da parábola é mais completo que o reconhecimento do salmo, mas o desafio é o mesmo: não descuide da sua luz.

Vamos à parte final da parábola. Ela diz: “se todo o seu corpo estiver cheio de luz, e nenhuma parte dele estiver em trevas, estará completamente iluminado, como quando a luz de uma candeia brilha sobre você”. O ensino de Jesus nos apela não apenas para evitar que vivamos em completa escuridão. Ele nos incita a não deixar nenhum pedacinho da nossa existência, por menor que seja, fora do alcance da iluminação. Ele pede que deixemos a luz da candeia brilhar sobre nós; que esteja acima de nós; que lance sua claridade reveladora e esclarecedora sobre todas as instâncias do nosso ser. É o convite para deixar que Jesus, a luz dos homens mais e mais penetre em nós, revelando-se cada vez com mais fulgor até que se torne dia perfeito (Pv 4.18). É o cumprimento da profecia de Isaías: “Ai sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor na sua retaguarda”. ( Is 58.8).

Não há nada mais que podemos desejar.

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