“Ah! se eu soubesse onde o poderia achar! Então me chegaria ao seu tribunal. Exporia ante ele a minha causa, encheria a minha boca de argumentos. Saberia as palavras que ele me respondesse e entenderia o que me dissesse” (Jó 23:3-5).
Estas são palavras de Jó. Foram pronunciadas num dos momentos em que manifestou intensamente o desejo de uma audiência com Deus. Ele queria apresentar a sua inocência e ouvir, do próprio Deus, as respostas ao seu sofrimento ou as acusações contra ele para que pudesse se defender.
O leitor que vem acompanhando a série de estudos sabe que esta não foi a única vez em que Jó expressou este pedido. Por vezes ele o repetiu durante os diálogos que manteve com os amigos. Conviveu com o silêncio de Deus sem blasfemar, mas nunca deixou de declarar o anelo do seu coração por um encontro com o Todo-Poderoso. Tanto o fez que, coincidentemente ou não, o desejo pela audiência com Deus acabou por ser a palavra final de seus discursos (Jó 31:35-40).
Após isso Eliú falou, mas Jó não voltou a responder.
Por fim, numa hora imprevisível e de forma surpreendente, o próprio Senhor rompeu o silêncio. Deus falou. Falou do meio de um redemoinho, concedendo a Jó o privilégio de uma audiência particular.
Sim, porque o pronunciamento do Senhor foi resposta a Jó, dirigida exclusivamente a ele. É notável e, porque não dizer, confortante o que a Bíblia diz: “Depois disto o Senhor, do meio de um redemoinho, respondeu a Jó” (38:1).
Tendo sido surpreendente na forma, a resposta do Senhor surpreendeu também no conteúdo. Inicialmente, é interessante notar o que Deus não fez:
· Não deu nenhuma resposta às perguntas de Jó;
· Não deu nenhuma informação sobre o teste efetuado por Satanás;
· Não deu nenhuma explicação pelo tempo em que ficou em silêncio;
· Não acusou Jó de pecado ou faltas de natureza moral como fizeram os amigos.
O Senhor respondeu às perguntas de Jó com uma chuva de outras perguntas. Foram aproximadamente setenta e três indagações, distribuídas em duas séries, por meio das quais o Senhor se apresentou a Jó como Deus de Sabedoria e Poder, Criador e Sustentador de todo o universo.
A primeira série de indagações foi precedida por um convite da parte de Deus para que Jó se reencontrasse com Ele, colocando-se de pé “como um homem” (38:3). A atuação de Deus para o soerguimento da vida de Jó estava começando, embora ele ainda não o soubesse.
Após isso, o Senhor passou a fazer perguntas. Não parece que a intenção fosse submeter Jó a um teste de conhecimentos. O propósito era pedagógico: oferecer a Jó a oportunidade de crescer e aprofundar-se no conhecimento de si mesmo e de Deus.
Usando elementos do mundo cósmico, de fenômenos meteorológicos e do reino animal, o Senhor estabeleceu perguntas que ampliaram a consciência de Jó quanto à grandeza da sabedoria e do poder de Deus, revelada na criação do universo (38:4-40:2), porque “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Salmo 19:1). Por meio de gloriosa exposição da obra criadora de Deus, Jó foi conduzido a reconhecer a sua ignorância. Mais ainda: foi chamado pelo Senhor a falar (40:1-2). Afinal, o seu reiterado pedido foi atendido e a audiência com o Senhor lhe foi concedida. Deus falou. E Jó? O que terá ele a dizer?
Sua resposta foi breve e humilde. Evasiva, para alguns comentaristas da Bíblia. Uma coisa, porém, aconteceu: Jó reconheceu a sua insignificância. Considerou-se indigno e sem resposta a apresentar. Num gesto de respeitoso silêncio, disse: “Ponho a mão na minha boca” (40:4).
Pela forma e pelo conteúdo da resposta, nota-se que Jó não está mais no estado emocional em que se encontrava antes: queixoso, defendendo a sua inocência e reclamando os seus direitos. O encontro com o Senhor já estava produzindo efeito curativo e restaurador.
Mas a audiência ainda não havia terminado. A segunda série das respostas do Senhor teve início. De forma semelhante à primeira, Deus falou do meio de um redemoinho, com novas perguntas. Desta feita, Jó foi conduzido a reconhecer que, do mesmo modo que não tinha força e nem poder sobre o mundo natural, também não os tinha sobre a ordem moral da vida (40:8-13). Deus tem o mundo em suas mãos e o controle absoluto dos acontecimentos está com Ele. Só Deus tem poder e sabedoria para governar o mundo e transformar o mal em bem, fazendo com que todas as coisas – boas e más – venham a cooperar para o bem daqueles que o amam (Romanos 8:28).
Jó entendeu a mensagem. Sua compreensão sobre o homem e sobre Deus foi grandemente alargada. Ele, então, respondeu ao Senhor: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (42:1-2). Mais do que isso, Jó ficou de tal forma maravilhado diante das revelações de Deus que dos seus lábios saiu um dos versos mais conhecidos e apreciados da Bíblia: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (42:5).
Deus falou com Jó e isso foi suficiente para que ficasse satisfeito. Ele continuava sem nada saber sobre o seu caso; não recebeu explicações sobre o seu sofrimento; não ouviu declarações que o salvassem das calúnias levantadas contra ele; continuava sem bens materiais, saúde e família, não sabendo se iria recuperá-los, porém estava ali engrandecendo ao Senhor. O relacionamento com Deus era para ele o bem mais precioso de sua vida e este estava preservado para o seu contentamento. Ele permaneceu apegado ao Senhor e mostrou amar a Deus independentemente de bênçãos recebidas ou a receber. Aliás, devemos lembrar que era indispensável que ele não tivesse nenhuma expectativa de bênçãos futuras para que a prova fosse válida. Sua fé triunfou.
Jó venceu a prova proposta por Satanás e dela saiu aprovado pelo Senhor.
Quanto aos seus amigos acusadores, a ira do Senhor se acendeu contra eles porque não falaram a respeito de Deus o que era reto, como Jó falou (42:7). Foram orientados pelo próprio Senhor a procurar Jó e pedir que orasse por eles, para que Deus não os tratasse segundo a loucura de suas palavras, visto que a oração de Jó o Senhor aceitaria. Assim eles fizeram (42:8-9).
Nesta oportunidade as evidências da integridade de Jó e a bondade de seu coração foram demonstradas mais uma vez. Ele poderia estar ressentido, vingativo e se recusar a orar por quem o afligira. No entanto, orou por seus amigos – aqueles que tanto o atormentaram com acusações infundadas – e Deus aceitou a oração de Jó. Assim ele fez estando ainda destituído de bens, família e saúde, não tendo qualquer promessa de restituição.
Porém, foi durante esta oração que Deus o surpreendeu. Diz a Bíblia que “o Senhor mudou a sorte de Jó quando orava pelos seus amigos; e deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuíra” (42:10). Deu-lhe ainda outros dez filhos: sete homens e três mulheres. Irmãos, irmãs e conhecidos voltaram a frequentar a sua casa. E “assim o Senhor abençoou o último estado de Jó mais do que o primeiro” (42:12).
Junto a tudo isso, outra coisa de inestimável valor fez o Senhor por Jó. Lendo com atenção o trecho final do livro de Jó (42:7-8), observamos que quatro vezes o Senhor se refere a ele pelo mesmo título do início da história. O Senhor voltou a chamá-lo pelo honroso título de meu servo Jó. Nada confere mais dignidade a alguém do que poder ser chamado de “servo do Senhor”.
Que ao olhar o nosso coração e a nossa vida, o Senhor possa chamar a cada um de nós de meu servo ou minha serva, porque outro título mais nobre não há.
Consulta Bibliográfica
HEAVENOR, E. S. P. In O Novo Comentário da Bíblia. 2ª ed. Vol. II
São Paulo: Vida Nova