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A CARTA AOS GÁLATAS II – A IMPOTÊNCIA DA LEI (Gálatas 3)

O capítulo 2 de Gálatas começa com uma lamentação profunda. Paulo, perplexo, escreve: “ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado entre vós?”(Gl. 2,1). Se quisermos descobrir o significado das duras palavras empregadas pelo apóstolo, vamos encontrar algo interessante. Para o início, a tradução de Phillips registra: “ó queridos idiotas da Galácia!”, o que mostra o sentido amoroso e ao mesmo tempo condenatório desse vocativo empregado pelo apóstolo. Insensatos, ou destituídos de bom senso ou ainda loucos, conforme Lc. 24,25 os gálatas estavam sendo convocados a explicar quem os havia fascinado. Será útil compreender o sentido do pensamento de Paulo aqui. Fascínio era a palavra grega empregada para indicar o engano produzido pelas artes mágicas e que eles identificavam como a expressão “olho mau” que usamos em português. A ideia era a de o lançamento de uma praga através do mau olhado. Já sabemos, pelo contexto da Bíblia, que Paulo não acreditava no poder do “mau olhado”, mas ele se valeu de uma expressão que poderia indicar a gravidade do que acontecera com eles. Provavelmente usou a palavra para que, assustados com o sentido, eles tivessem a chance de refletir para mudar. Os gálatas estavam imobilizados, petrificados, esvaziados. Era necessário fazê-los parar e pensar que isso ocorrera porque haviam desviado os olhos de Jesus Cristo e dado atenção a palavras humanas. Aquilo era como a mágica, engano. A força, então, não está no fascínio ou “mau olhado”, mas sim no engano, na falta de bom senso, no abandono da racionalidade. Quem foi o mágico que fez isto? Todas as experiências que vocês tiveram foram em vão? Antes que fiquemos muito zangados com os gálatas, paremos e pensemos. O que nos fascina hoje? Quem nos fascina? Que ações nos fazem perder o bom senso e passar a praticar atos que, se estivéssemos olhando para Cristo, não o faríamos? Dinheiro? Fama? Títulos? Prêmios? Posições na sociedade? Responsabilidades na igreja? Tradição? Será que estamos também fascinados ao ponto de merecermos ser chamados de insensatos ou aqueles que não se valem da razão? Nunca é demais fazer estas perguntas a nós mesmos, antes de começar a pensar no comportamento dos outros. Após este choque inicial, Paulo conduz os gálatas a analisar o que os judaizantes diziam e então pensar, refletir sobre a própria insensatez. Paulo, com este objetivo, se utiliza da mesma base de argumentação de que os judaizantes se valiam. Ele vai até a fonte, a chamada de Abraão, registrada nos capítulos de 12 a 17 de Gênesis. Faz com que eles reflitam sobre temas como Abraão foi justificado diante de Deus? Qual é a descendência que participa das bênçãos prometidas? Qual a relação da lei mosaica com a aliança de Deus com Abraão? Pensem, raciocinem, analisem, busquem respostas, gálatas, saiam da condição de insensatez, de inertes! “Assim como Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado como justiça, sabeis pois que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são filhos de Abraão” (Gl. 4, 6-9). Estava claro, cristalino que um judeu circuncidado, sem fé, não seria filho de Abraão e um gentio incircunciso, mas crente, o seria. Abraão agiu a partir da fé e são os que têm fé os que se juntam a ele para a herança da bênção. Os judaizantes provavelmente argumentavam que a obediência de Abraão foi o elemento que o fez ser chamado justo diante de Deus, e que por este motivo, os gálatas deveriam aperfeiçoar a fé, a partir da circuncisão. Em outras palavras, a ordem: anda na minha presença e sê perfeito, consoante Gn. 17,1 significaria que a perfeição somente poderia ser alcançada após a circuncisão. Esquecidos estavam inclusive de um detalhe simples e decisivo: “anda na minha presença e sê perfeito”. A perfeição que se esperava de Abraão seria produto do fato dele andar na presença de Deus e não em ações simbólicas que ele fizesse como fruto da obediência. O verbo que deve chamar a nossa atenção é o andar e não o fazer. Paulo denuncia o erro, porque em Gênesis 15,6 lemos “ele, Abraão, creu no Senhor e isso lhe foi imputado por justiça.” O problema então era identificar o objeto da fé. Os judaizantes colocavam no cumprimento da Lei a explicação para as bênçãos de Abraão. Paulo se utiliza das palavras da Lei em Deuteronômio 27, 26 para demonstrar que viver sob o jugo da lei é querer se tornar maldição, porque seria impossível cumprir rigorosamente a Lei. Paulo sabia do que falava; havia sido zeloso em extremo da Lei e chegado ao ponto de tirar a vida de pessoas para preservar o que ele achava ser correto e, enquanto perseguia os cristãos em nome da Lei, a ignorava porque agia em contradição com a própria lei. Viver na tentativa de cumpria a Lei e fazer disso elemento básico de justificação é atrair a maldição para si mesmo. O evangelho de Cristo era firmado não nas obras provenientes do cumprimento da Lei, mas sim na fé nesse Cristo. “É evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé.” Gl. 3,11 Agora, o quadro pode ser melhor compreendido. Em quem vocês creram? O que foi que ele fez? Como foi que Cristo fez? Por que Cristo fez? Cristo nos resgatou da maldição a que a lei nos destinava, tornando-se maldição por nós, quando carregou todos os nossos pecados e com o peso deles, morreu. Quando se consumou a obra redentora, Cristo tornou disponível aos gentios a bênção que destinara a Abraão. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: maldito todo aquele que for pendurado no madeiro, para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito.” (Gl. 3, 13 e 14) Paulo não se detém aqui. Ele vai adiante para demonstrar que Cristo era o descendente de Abraão a quem a promessa fora feita 430 anos antes da Lei. A Abraão havia sido prometido uma descendência inumerável como a areia do mar composta por aqueles que são da fé: “Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão.” Gl. 3,7 Para que serviu a Lei, então? Se no lugar de justificar ela condena, se esteve em vigor apenas por uma pequena parcela de tempo, por que foi promulgada? Paulo caminha para a resposta mostrando que a lei serviu para nos fazer conscientes da impossibilidade de sermos corretos por nós mesmos. Ela sinalizou para a nossa incapacidade. Fez o papel de um tutor que conduzia crianças até a maioridade. A fé em Jesus representa esta maioridade. A lei trouxe instrução; a fé em Jesus, a completa filiação. A lei foi concedida ao povo escolhido por Deus; a fé em Jesus incluiu toda a Humanidade. “De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.” Gl.3, 24-26. A Humanidade não precisava de um super tutor, um excelente pedagogo que ensinasse a cultivar um espírito de vida superior, elevado ou evoluído, como queiramos. Ela clamava por um redentor que pudesse abrir a porta do cárcere do pecado e libertasse os cativos. Ignorar este princípio básico, era insensatez. Em Cristo Jesus temos o contraste da posição dos que se deixam ficar aprisionados pela Lei, colocando no “fazer” e não no “crer” a base da sua fé. (Guthrie, p.137) “Ó, insensatos gálatas!” Que, ao refletirmos sobre este capítulo, encontremos condições para retirar da nossa vida tudo aquilo que não seja alicerçado exclusivamente na fé.

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