O autor, dando prosseguimento ao seu desejo de nos alertar com relação a falsos ensinamentos, chega à questão da chamada luta contra o pecado. Você e eu sabemos o quanto o pecado faz parte da natureza humana e nunca é exagero alertar para a vitória alcançada na cruz do calvário, quando Jesus concluiu seu ministério e abriu, para sempre, o caminho para termos uma nova natureza e passarmos a viver em comunhão com o Pai.
Chegamos ao capítulo 3, que começa de modo magnífico: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus.”. Que grande esse amor, que tem a sua fonte em Deus, que é Pai. Amor, que é dom gratuito, é capaz de conceder filiação aos homens que correspondem a esse amor e que neles produz a confiança de que efetivamente são filhos de Deus.
Agora, diz João, somos filhos de Deus. Mas, prossegue: ainda não é manifesto o que haveremos de ser. Essa filiação, então, é dinâmica. Hoje ela se apresenta em um grau, amanhã e outro e assim sucessivamente até que, quando Ele se manifestar, aí sim nós O veremos, a Jesus, como Ele é. Law defende a ideia de que essa visão de Jesus levará à assimilação. Seremos como Ele é, porque o veremos plenamente. (Cfe. Mt.5.8; Jo 17.24; 1Co 13,12; Ap 1.7 e Ap 22.4).
Como estamos em processo dinâmico, permanecer no pecado é estar na contramão do propósito da 1ª. vinda de Jesus, que foi o de levar embora os nossos pecados. (Jo 1,29; Hb 9,26). Daí nosso autor argumentar que, aquele que permanece em Jesus, não vive pecando (v.6). Isto porque a origem do pecado está no diabo (Jo 8.44). Stott lembra que “se a obra característica do diabo é pecar, a obra característica do Filho é salvar”.
Para fortalecer seus leitores, João discorre sobre a obra maligna do diabo: (3.4-10)
a) ele peca (1Jo 3.8) e tenta outros para que também pequem. (Mt.6.13);
b) ele é homicida (Jo 8.44). Caim, ao matar Abel, apregoou a sua origem (1Jo 3.12)
c) ele é mentiroso e pai da mentira. Nele não há verdade.
Sendo assim, João não tem qualquer dúvida: o pecado pertence ao reino das trevas e se opõe ao reino da luz. Permanecer no pecado (a palavra grega indica uma raiz que tem o significado: incapacidade de atingir o alvo), então, é rebeldia. Para McDowell, a determinação do pecador de viver de acordo com as suas próprias leis, menosprezando as leis da ordem moral universal, é pecado.
O teste do crente é a vida que ele vive. O critério da justiça é aquele da justiça praticada por Jesus. Jesus, o Filho, agia como o Pai. Nós, feitos filhos de Deus, pelo critério da fé em Jesus Cristo, temos o desafio de agir do mesmo modo como Jesus o fez. Por isso, o autor simplifica a questão dizendo que, o que comete pecado é do diabo e o que pratica a justiça o faz porque é nascido de Deus.
Para nos auxiliar ainda mais em nossa análise pessoal, João passa a dizer que o amor fraternal é um teste decisivo de justiça. (3. 11-24). Ele o faz a partir da análise da vida de Caim, que é o supremo exemplo de ódio, que praticou o assassinato do seu irmão. Jesus se contrapõe a ele, supremo exemplo de amor, sacrificou-se a si mesmo por nós.
Uma vez que Jesus nos propiciou tal exemplo, João avança na argumentação e nos coloca diante de um dilema: “Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus?”. (v.17).
Stott faz uma declaração com a qual concordamos: “é mais fácil ser entusiástico em relação à Humanidade do que amar homens e mulheres individuais. Amar toda gente em geral pode ser desculpa para não amar ninguém em particular”.
A identificação da necessidade que precisa ser atendida e para a qual nos é apresentada apenas uma opção, suprir, não é tarefa fácil em nossos dias e provavelmente também não o era na época de Jesus e de João. Talvez, quem sabe, tenha sido por isso que Jesus não eliminou a pobreza no mundo e nem liquidou com todas as enfermidades que o cercavam. Como Jesus era perfeito no conhecimento da vida humana, bem pode ser que visse que as razões para necessidades e doenças não fossem reais. Esta é apenas uma suposição.
Nosso autor nos leva a tentar ouvir o nosso coração no que diz respeito a este ponto. A figura usada é de simples entendimento: coração que acusa e coração que não acusa. (1Jo 3.19-21).
Parece até, registra Law, que estamos em um julgamento, onde o acusador é o nosso coração, o advogado de defesa somos nós mesmos e o juiz é Deus. Como acertar na compreensão do nosso coração, eis o grande desafio do texto.
Ainda hoje percebemos necessidades ao nosso redor. São elas de origem material, mas também de tempo, de afeto, de compreensão. O nosso coração nos acusa de estarmos agindo com falta em relação a alguém necessitado? Vamos consertar de imediato, pois tal inquietação tem uma origem certa, o nosso Deus, visto que, por meio de Jesus, somos filhos dEle.
Já o nosso coração, diante de Deus e em submissão a Ele, não encontra qualquer situação de apoio que precisa ser consertada, então, diz João, podemos ter confiança e seguir em frente em nosso relacionamento com o Pai e com os homens.
O nosso coração não nos acusa? Então temos confiança para acessar a Santa Presença, a partir na permanência nEle. (1 Jo 3. 23 e 24).
Este não é assunto apenas de João. Há, em Hebreus 4, 16, a seguinte afirmação: “Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno.”. Leitura complementar pode ser útil em Hebreus 10. 19-22.
Vamos concluir, mas é bom destacar que permanecer, para João, é termo muito importante. Tudo o que a vida cristã produz e proporciona está ligado a permanecermos ou não nos caminhos de Jesus. Este é desafio que precisa ser perseguido por todos nós.
Apoio Bibliográfico:
GRUNZWEIF, Fritz et all. Cartas de Tiago, Pedro, João e Judas. Comentário Esperança. Curitiba: Paraná – Editora Evangélica Esperança, 2008.
DRUMMOND, R.J., MORRIS, Leon. O Novo Comentário da Bíblia – vol. II. São Paulo: Vida Nova. Reimpresso em 1987.
STOTT, John R. W. I.II, III João – Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. SP: Mundo Cristão. 1985
McDOWELL, Edward A.. Comentário Broadman. Volume 12. Rio de Janeiro: JUERP. 1987
CARSON D. A. Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova. 2009.
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