Começamos com a leitura de dois trechos bíblicos que nos relatam orações pedindo pela intervenção de Deus em situações específicas de necessidade. O primeiro encontra-se no Evangelho de Mateus capítulo 26, versos 38 a 42, e refere-se a Jesus Cristo:
38 Disse-lhes então: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal. Fiquem aqui e vigiem comigo”.
39 Indo um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”.
40 Depois, voltou aos seus discípulos e os encontrou dormindo. “Vocês não puderam vigiar comigo nem por uma hora?”, perguntou ele a Pedro.
41 “Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.”
42 E retirou-se outra vez para orar: “Meu Pai, se não for possível afastar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade”.
O segundo texto, relata uma experiência do apóstolo Paulo, e encontra-se na Segunda Carta aos Coríntios, capítulo 12, versos 7 a 9:
7 Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelações, foi-me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satanás, para me atormentar.
8 Três vezes roguei ao Senhor que o tirasse de mim.
9 Mas ele me disse: “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim.
Nesta série de reflexões sobre o assunto Milagres, até agora analisamos dificuldades e cuidados que o tema gera. Podemos agora por foco em uma ‘agenda positiva’ a respeito de milagres, abordando atitudes e linhas de pensamento que como cristãos devemos adotar, por serem as posições sadias que devem ser nossas.
Vamos considerar hoje a função da oração. O ensino de Jesus – e depois do resto do novo testamento – enfatiza a oração como um dos mais importantes elementos da nossa devoção a Deus. A oração é a maneira de buscarmos a Deus e desenvolver uma comunhão de intimidade com ele. Como já se disse, a oração deve ser a nossa janela aberta em direção aos céus. A insistência com que somos instruídos a orar é ampla:
“... perseverem na oração”. [Rm 12.12]
“orem no Espírito em todas as ocasiões, com oração e súplica...” [Ef 6.18]
“orem continuamente”. [5.17]
“... A oração de um justo é poderosa e eficaz. Elias era um homem como nós. Ele orou fervorosamente para que não chovesse, e não choveu sobre toda a terra durante três anos e meio. Orou outra vez, e os céus enviaram chuva, e a terra produziu os seus frutos””. [Tg5. 16-18]
A biografia de Jesus nos fala da sua constante oração, e temos também o exemplo de Salmos com suas tantas orações implorando pela ajuda e pelo livramento de Deus. Tudo o que pedimos em uma oração, é um pedido por uma intervenção de Deus a nosso favor; é um pedido por um milagre. Sabemos destas coisas desde os nossos primeiros passos na carreira de fé. Tanto sabemos que, se não nos vigiarmos acabamos orando apenas por pedidos, de toda ordem, abrangendo todas as nossas necessidades, os nossos receios e as nossas angústias. Reduzimo-nos à conhecida oração do me dá – me dá, esquecendo-se da adoração, do louvor e da gratidão que são partes indispensáveis da oração.
Portanto, que devemos orar pelos milagres que queremos ver realizados, não há dúvida. Tão mais sincera será a nossa comunhão com Deus através da oração, quanto mais nos abrirmos e nos derramarmos na presença dele, verbalizando os nossos mais profundos anseios e desejos. A vida de oração de Jesus e dos salmistas são exemplos dignos de serem imitados.
Posto o princípio, devemos ainda nos deter em algumas observações de particularidades que podem enriquecer a nossa compreensão e uso correto da oração. Lembremos da oração do Pai Nosso. Ela é o padrão que deve balizar as nossas orações, mesmo não fazendo uso das suas palavras. Ela contém quatro pedidos: dá-nos o pão nosso de cada dia; perdoa as nossas dívidas; não nos deixes cair em tentação; e livra-nos do mal. Pode-se dizer que o Pai Nosso não pede por nenhum milagre ‘extraordinário’ ou específico a uma circunstância. Há tão somente o pedido por milagres que poderíamos chamar de rotineiros, pois precisamos deles todos os dias. Creio que há uma preciosidade a destacar aqui: não estaremos enfatizando em demasia o pedir por milagres extraordinários e relegando ao esquecimento o pedir pelas intervenções de Deus que carecemos em bases constantes? O que é mais importante: um emprego, uma cura, uma benção material ou ter o pão nosso de cada dia, o perdão dos nossos pecados, o não cair em tentação e o ser livre do mal? As prioridades do nosso coração determinam as palavras da nossa oração.
A segunda particularidade a observar é quanto à intervenção suplicada e negada. Dois exemplos dramáticos a tal respeito compuseram o texto bíblico lido no início. Jesus suplicou “afasta de mim este cálice” e sua oração não foi atendida. Paulo orou pedindo pelo livramento do seu “espinho na carne” e a resposta que ouviu foi “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. O que deve ficar para nós desses relatos é que o importante não é a ênfase nem a insistência na nossa suplica, mas sim a nossa determinação sincera de se submeter em absoluto ao “contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”.
Para finalizar, um último pensamento, em forma de dilema: qual seria a atitude espiritualmente mais correta: suplicar com veemência pelo milagre que queremos ver realizado ou simplesmente nada pedir e nos colocar em inteira passividade sob a vontade de Deus, como se diria no popular vivendo ‘ao Deus dará’?
Bem, parece que esta é uma questão que fica no âmbito do juízo pessoal de cada fiel, já que temos exemplos e ensinos bíblicos para ambas as posturas. Pedir ou não pedir não é a questão. A questão é a sinceridade e a constância da nossa intimidade com Deus. Ao nos submeter por inteiro a Ele, pouco importará o que pedimos ou o que deixamos de pedir. A graça da sua companhia e do seu cuidado por nós é o maior e mais precioso milagre que podemos almejar.
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