O Apocalipse - "A VISÃO DOS REMIDOS E DO JUÍZO” (Apocalipse 14)
- Gerson Berzins
- 2 de jun.
- 5 min de leitura
Nesta jornada pelo Apocalipse chegamos ao capítulo catorze. A riqueza desse capítulo nos impressiona na abundância do que dele podemos aprender. Mais uma vez, a seletividade subjetiva prevalece para determinar o que é possível de ser considerado no tempo que temos.
Começamos com uma visão panorâmica, usando argumentos do comentarista Grant Osborne: todo o livro do Apocalipse foi organizado como uma série de cenas justapostas, contrastando a realidade divina com a terrena. O mundo vertical se centra na presença de Deus e do Cordeiro, e o mundo horizontal reflete as forças do mal como que triunfando sobre os santos. O capítulo um apresenta Cristo entre os candelabros; os capítulos dois e três mostram a igreja perseguida e se esforçando por resistir. No capítulo quatro vemos a glória de Deus, em chocante oposição à visão dos selos, nos capítulos seguintes. E assim o padrão continua.
Depois de ver o que está reservado aos fiéis no mundo do dragão e das bestas, João é chamado a ver os mesmos fiéis na glória dos céus. Se no mundo daqui, o dragão se pôs de pé na areia do mar, como que aguardando as bestas arregimentarem seus adoradores, nos páramos celestiais está o Cordeiro de pé sobre o monte Sião, em meio a 144 mil que traziam escritos na testa não o sinal da besta, mas o nome dele e o nome de seu Pai.
Devemos neste ponto retornar ao assunto Adoração. Já está claramente entendido que o Apocalipse é uma mensagem visual. De fato, ele nos fala aos sentidos: não apenas aos olhos, mas também à audição. Um mote repetitivo do texto é: “aquele que tem ouvidos ouça.” João não só foi chamado a ver, mas também a ouvir, e aqui no capítulo catorze ele é conduzido a uma audição espetacular. Ele precisou usar três símiles para tentar descrever o indescritível, o coro dos redimidos. O que ouviu, ele descreve que se assemelhava ao som de muitas águas, de um trovão e de harpistas tocando. Há aí uma expressão de assombro e medo junto com potência e ressonância e junto com harmonia e serenidade. E tudo isso está em uma mesma percepção auditiva. De novo, a impressão é que João não conseguiu colocar em palavras o que testemunhou. O cântico é novo e precisava ser aprendido e poucos eram aptos para isso, e estes eram os 144 mil.
O desejo forte aqui é fugir das especulações sobre o significado desse grupo, dos “que não se contaminaram com mulheres, pois se conservaram castos”. De uma amplitude de opiniões a respeito, creio que o entendimento simbólico cabe mais que o literal: eles são aqueles em quem “mentira nenhuma foi encontrada em suas bocas; são imaculados”. Eles são, enfim, os que não se deixaram ser seduzidos pela besta: mantiveram-se puros na verdade.
Depois da visão do Cordeiro e seus selados, João vê três anjos voando pelo céu. Eles anunciam uma mensagem tripartite, de boa nova, de destruição e de julgamento. A primeira mensagem, de boa nova é como que um último apelo para a verdadeira adoração devida ao Deus poderoso e criador dos céus, terra, mar e fontes de águas. Ainda era o tempo do evangelho eterno, mas estava chegando a hora do juízo.
A segunda mensagem, de destruição, anuncia a queda da Babilônia, tema que merecerá mais destaque adiante no texto.
A terceira mensagem apresenta o julgamento. A Babilônia forçou as nações a beberem o “vinho da fúria da sua prostituição”, e tinha chegado a hora do “vinho do furor de Deus” reservado aos adoradores da besta.
Fica a dúvida de quem seriam os destinatários dessas mensagens angelicais: poderia ser o mundo, como a última oportunidade de se corrigirem, ou poderiam ser os fiéis, como palavra de encorajamento para a perseverança: “Felizes os mortos que morrem no Senhor de agora em diante. (...) Sim, eles descansarão das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão”.
A última visão desse capítulo é sobre a colheita. A ilustração da ceifa é bastante utilizada nos Evangelhos. “Peçam ao senhor da colheita que envie trabalhadores para a sua colheita”(Mt 9.38). “Deixem que cresçam juntos até a colheita. Então direi aos encarregados da colheita: juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro.” (Mt 13.30). Parece que a visão final de Apocalipse catorze se refere a esta colheita.
A colheita pressupõe frutos maduros. Há o momento preciso em que eles devem ser ceifados; antes eles não servem; depois eles apodrecem. O livro da Revelação aponta para esse tempo apropriado: “a safra da terra está madura; chegou a hora de colhê-la” (14.15). Quando Jesus ensinou que a ninguém é dado conhecer os tempos em que as coisas finais haveriam de acontecer( Mt 24.36), também está implícita a ideia de que a colheita tem o seu processo próprio de amadurecimento, mas quando chega o momento, a ceifa deve ser feita rápida e prioritariamente. Nesta visão, o momento chegou.
Se tomarmos a parábola do joio e do trigo, de Mateus 13 como guia para o entendimento dessa visão, a primeira colheita é a do trigo, destinada aos celeiros celestiais. O segundo anjo, a quem é dada uma foice afiada e a missão de ajuntar os cachos de uva da videira da terra, corresponderia à colheita do joio.
À simbologia dos evangelhos se junta a do profeta Joel (Jl 3.13): “Lancem o foice, pois a colheita está madura. Venham, pisem com força as uvas, pois o lagar está cheio e os tonéis transbordam, tão grande é a maldade dessas nações.”
Ao longo de todo o relato de Apocalipse encontramos o fator tempo. As visões nos alertam sobre a brevidade com que tudo acontecerá; falam-nos de tempos determinados nos quais é permitido o mal se alastrar e nos quais o sofrimento e a tribulação são infligidos sobre os fiéis; mas, sobretudo, nos falam da plenitude dos tempos, quando tudo se completará, “isto é, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais e terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos.”(Ef 1.10).
Apocalipse capítulo catorze encapsula toda a mensagem do livro. Se somente ele existisse, continuaríamos sendo chamados à perseverança na pureza da adoração verdadeira; anteveríamos a glória dos santos diante do Cordeiro; conscientizar-nos-íamos da celeridade do julgamento; e estaríamos alertados sobre a brevidade do tempo para receber o evangelho. Mas este capítulo não é o fim. Ainda há o flagelo das sete taças, a queda da Babilônia, os mil anos e só ai chegarão os novos céus e a nova terra.
Prossigamos.
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