PERDÃO E CURA (João 8 e 9)
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PERDÃO E CURA (João 8 e 9)

Perdão e cura: dois assuntos de grande relevância para o ser humano. Um atende à vida espiritual e emocional, trazendo reconciliação e paz com Deus, tranquilidade à consciência e, muitas vezes, restauração de relacionamentos; o outro, voltado para a saúde, seja física ou psicológica, traz alívio de sofrimentos, bem-estar físico ou emocional e recupera a capacidade produtiva dos indivíduos. O primeiro com efeitos que se projetam para a vida eterna, o segundo restrito à vida terrena, porém ambos de grande interesse para as pessoas.

 

Os dois temas podem se fundir, tornando-se numa única experiência de vida. Isso acontece, por exemplo, quando a cura de alguma enfermidade é obtida por meio de perdão recebido ou efetuado. A propósito, o perdão genuíno é sempre libertador e produz efeito curativo.

 

Entretanto, a integração dos dois assuntos não é exatamente o objeto deste estudo. Nesta oportunidade, vamos observá-los de forma independente dentro do ministério de Jesus, em dois episódios separados, com pessoas distintas, porém refletindo a abrangência do Evangelho, que contempla o homem por inteiro.

 

“Quem não tem pecado, que atire a primeira pedra” é uma expressão nascida dos lábios do Senhor Jesus e que virou jargão popular, quando alguém pretende neutralizar uma falta cometida. Todavia, nem sempre o uso da frase acontece dentro do significado bíblico ou de acordo com a teologia ensinada por Jesus. Precisamos examinar com cuidado o que ocorreu no episódio conhecido e intitulado como o da ‘mulher adúltera’ para entendermos o que Jesus estava nos ensinando sobre pecado, graça e perdão.

 

Após a Festa dos Tabernáculos, descrita no capítulo sete, Jesus retirou-se para o Monte das Oliveiras, onde passou a noite. Logo pela manhã, retornou ao templo. Como vinha acontecendo, o povo veio ao seu encontro e Ele os ensinava.

 

Os escribas e fariseus trouxeram à presença de Jesus uma mulher que havia sido apanhada em flagrante de adultério, expondo-a no meio das pessoas que ali estavam reunidas (8:3-4). Eles o fizeram sob a reivindicação da observância da lei divina, registrada em Levítico 20:10 e Deuteronômio 22:22, indagando publicamente qual o parecer de Jesus sobre a aplicação da pena recomendada.

 

Na verdade, eles estavam mais interessados em testar Jesus do que preocupados com o pecado da mulher e o cumprimento da lei, embora fossem austeros na rigidez moral, a ponto de se tornarem impiedosos. A pergunta era capciosa e tinha por intenção encontrar um motivo para acusar Jesus. Evidência disso é vista no fato de que sendo eles escribas e fariseus, doutores no conhecimento da lei, sabiam perfeitamente que a punição deveria ser aplicada ao homem e à mulher; no entanto, trouxeram apenas a mulher a julgamento. Se o Mestre recomendasse a punição prevista, ele estaria contrariando a legislação romana da época que proibia aos judeus a aplicação da pena de morte, segundo informação que encontramos em João 18:31; se por outro lado, o parecer de Jesus fosse pela clemência, Ele estaria em oposição à lei de Moisés.

 

Jesus não respondeu à indagação feita e passou a escrever com o dedo na terra. Dada à insistência da pergunta, o Mestre divino falou. Falou, surpreendendo a todos com a resposta que deu, da qual se extrai muitos ensinamentos sobre o perdão e a graça de Deus: “aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela” (8:7).

 

Nenhum deles estava apto a fazê-lo. Eram todos pecadores, de alguma forma. Diante disso, só lhes restou a humilde retirada do local. Foram saindo, um a um, começando pelos mais idosos e chegando aos mais jovens.

 

Algumas lições sobre pecado, graça de Deus e perdão são extraídas deste episódio. Uma delas é que Jesus nivelou o pecado. O pecado é sempre destrutivo, qualquer que seja a área da vida afetada por ele. Faz mal a quem o comete, sempre, a e a quem se torna o alvo da sua ação. Não há pecado inofensivo. Ainda que no âmbito terreno as consequências geradas possam ser diferentes (umas mais graves e devastadoras do que outras), na esfera espiritual todo pecado é igualmente grave. Aos olhos de Deus, pecado é pecado. Jesus nos ensinou esta verdade quando autorizou que somente aquele, dentre os acusadores, que estivesse sem pecado algum desse início ao apedrejamento da mulher adúltera, mostrando com isso que o pecado de cada um deles era tão grave quanto o dela.

 

Outra lição a aprender é que a graça e a misericórdia de Deus em perdoar são oferecidas a todos. Ao dar aos acusadores a liberdade de optarem pelo apedrejamento, condicionado à ausência de pecado por parte deles, Jesus estava oferecendo a cada um a oportunidade do autoexame, seguido do reconhecimento de que eram pecadores. Diante de Deus, a humanidade não se divide em dois grupos: pecadores e justos. Não. Há somente uma classificação, a de pecadores, “porque não há um justo, nem um sequer; todos pecaram e carecem da glória de Deus”, diz a Bíblia em Romanos 3:10 e 23. Longe de pretender condená-los, Jesus despertou naqueles acusadores a consciência de culpa a fim de salvá-los, uma vez que a graça de Deus é para quem se humilha, segundo está escrito: “Deus resiste aos soberbos, porém dá graça aos humildes” (Tiago 4:6). Jesus ofereceu a cada um deles a mesma graça e o mesmo perdão que seriam oferecidos à mulher acusada que, ao final, ouviu dos lábios de Jesus: “Nem eu também te condeno, vai e não peques mais” (8:11). Jesus não tratou o pecado levianamente, mas ofereceu graça e perdão aos pecadores. Graça e perdão que continuam disponíveis a qualquer pecador arrependido.

 

O segundo episódio a ser considerado neste estudo diz respeito à cura de um cego de nascença. Este fato, registrado no capítulo nove do Evangelho de João, é sequencial e está interligado ao final do capítulo oito. Interessante notar o início da narrativa de João sobre este acontecimento: “E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença” (9:1). Jesus estava se retirando do templo, onde discursara mais uma vez sobre a sua missão, por causa da perseguição dos judeus que se intensificava cada vez mais. Contudo, a pressa em sair não impediu que Jesus visse um homem e com ele a sua necessidade. Ninguém escapa ao olhar atento e bondoso de Jesus.

 

Os discípulos fizeram uma pergunta, baseados numa crença que associava a cegueira de nascença a algum pecado cometido: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego?” (9:2). E Jesus respondeu, não deixando dúvidas: “Nem ele pecou, nem seus pais” (9:3). Encontramos, então, a primeira lição ensinada neste episódio: nem toda enfermidade é consequência direta de pecado, ainda que algumas o sejam, sim, como nos ensinam Provérbios 5:22 e João 5:14, por exemplo. Aquela, no entanto, era uma das situações permitidas por um propósito maior: “para que se manifestem nele as obras de Deus”.

 

A situação era de urgência, para os dois lados. Jesus reconheceu isso e conjugou a premência humana com a urgência da obra de Deus: “Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia” (9:4). O Senhor Jesus não perde a hora; Ele não se atrasa.

 

De imediato, o Senhor deu início ao procedimento da cura. Desta vez, diferente de outras curas efetuadas.

 

Por exemplo, Bartimeu, que também era cego, pediu a cura a Jesus, este não; Bartimeu manifestou a sua fé antecipadamente, este foi motivado por um método para gerar fé, porque a cura envolve a participação da fé do doente; Deus não opera na incredulidade e sem fé é impossível agradar a Deus (Mateus 13:58 e Hebreus 11:6).

 

Jesus usou a saliva para fazer um lodo de terra e untou os olhos do homem que nunca tinha visto a luz do mundo. Nem a luz natural, do sol; nem a luz espiritual, que é o próprio Senhor Jesus. Chegara o momento de ter os olhos abertos, em ambos os sentidos, mediante a condição de sua participação que envolvia fé, submissão e obediência. Com os olhos ainda fechados, porém untados pelo lodo feito por Jesus, o homem recebeu a ordem do Mestre para ir ao tanque de Siloé e lavar os olhos. Ele se exercitou na fé, se submeteu ao método usado por Jesus, obedeceu a ordem para lavar os olhos no tanque e, como resultado, voltou vendo. 

 

Quando indagado sobre quem efetuou a cura, ele respondeu: “O homem chamado Jesus”... e descreveu o método usado (9:11). Até ali, isso resumia toda a experiência deste homem com Jesus. Como a sua cura gerou muitas controvérsias entre os judeus, inclusive por ter acontecido num sábado, este homem acabou sendo expulso do templo pelos fariseus. Jesus o reencontrou e, desta feita, para lhe abrir os olhos espirituais: “Crês tu no Filho de Deus?”, perguntou-lhe. Ele não o conhecia. Jesus, então, se apresentou: “Tu já o tens visto, e é aquele que fala contigo” (9:37). De imediato, o homem fez ali mesmo a sua profissão de fé: “Creio, Senhor”. E O adorou (9:38).

 

Com isso, Jesus inaugurou um novo tempo na vida daquele homem. Deu-lhe nova alegria, porque o libertou da cegueira que o inferiorizava e marginalizava; novo serviço, porque ele poderia trabalhar como os demais homens; novo testemunho, porque ele passou a falar do poder de Jesus; nova visão, de discernimento espiritual, porque ele viu o Salvador.

 

Que os nossos olhos espirituais estejam abertos para ver Jesus e segui-lo em fé, submissão e obediência. Em Jesus há perdão e cura.

 

 

Consulta Bibliográfica

 

MACLEOD, A. J. João, in O Novo Comentário da Bíblia. Vol. III

São Paulo: Edições Vida nova, 1963.

 

TOURNIER, Paul. Culpa e Graça.

São Paulo: ABU Editora, 1985.

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