No estudos sobre o Sermão da Montanha, deparamo-nos com a questão da prática da religião e a forma como deve acontecer na vida daqueles que se dispuseram a pertencer ao Reino de Deus. O cidadão do Reino, segundo Jesus, deve exercer a sua fé sem transformar suas ações religiosas em espetáculo que objetive impressionar a Deus e as pessoas. Para ilustrar tal procedimento, Jesus conversa com os discípulos sobre três áreas da vida de fé que devem ser tratadas com atenção para que não sejam transformadas em shows vazios de significado, uma vez que seriam percebidos, por Deus, como falsos e, consequentemente, inúteis. Assim, as esmolas, a oração e o jejum deveriam ser revestidos de um espírito humilde e sincero, para que pudessem ser considerados frutos provenientes de uma experiência real de conversão.
Na verdade, o Senhor Jesus estava querendo denunciar, nas palavras registradas no texto que hoje estudamos, ou seja, Mateus 6: 1-18, é que a atitude que ele encontrou por parte dos chamados religiosos daquela época, era vã e desprezível e deveria ser continuamente evitada pelos cidadãos do Reino de Deus.
A primeira advertência, portanto, do Mestre, é com respeito à dádiva de esmolas aos mais necessitados, prática comum nos dias de Jesus. Dar esmolas era uma obra que conferia méritos para a salvação. Os judeus consideravam o dar esmolas como parte essencial da retidão. Jesus quis mostrar que era algo mais profundo do que isso. Esmola é tradução de termo grego que acena mais para atos de misericórdia do que para esmola propriamente dita. Temos aqui uma referência especial a dádivas feitas por caridade, que deveriam ser praticadas em sigilo. Seria o dar movido pelo amor e pela misericórdia e que se originava em uma resposta ao amor de Deus. Embora Jesus tivesse dito, que os salvos seriam a luz do Mundo, conforme estudamos recentemente, percebemos aqui claramente que ele tinha em mente a realidade de que a luz deve espargir a sua luz mas não deve ela mesma aparecer.
Tanto para as esmolas quanto para a oração e o jejum, é relevante observar-se a questão da recompensa. Quando Jesus afirmou: em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa, estava fazendo alusão a termo comercial que nos traz a idéia de passar recibo, quitando por inteiro a obrigação assumida. Quando os atos supostamente religiosos eram praticados para receber o apoio e o entusiasmo das pessoas, esse apoio seria o recibo que cancelaria qualquer pendência. Em outras palavras, liquidaria a possibilidade de receber, do Senhor Deus, qualquer outra recompensa, pois a obrigação ter-se-ia liquidado com o reconhecimento dos homens.
Em linguagem mais simples: sua ação, praticada para receber honras foi reconhecida? Você já foi pago, nada mais resta a receber de ninguém. Medite sobre isto.
Avançando, Jesus passa a focalizar a oração, prática que estava sendo utilizada como elemento delimitador da espiritualidade dos religiosos da época. Jesus foi bem claro quando chamou de hipócritas aqueles que faziam da prática da oração motivo de exibicionismo vão. Hipócrita, no pensamento de Jesus, eram os falsos devotos que apresentavam uma piedade afetada e ruidosa, aqui tipificados como fariseus. Entre os judeus o termo não designava apenas o homem de piedade fingida e exibicionista, mas era mais amplo, apontava para o pervertido, mau, enfim, o ímpio.
Não, a oração não requer uma postura exibicionista, muito pelo contrário, ela não deve ser composta por repetições desnecessárias, fruto de quem pensa que por muito falar obterá o favor do Senhor ou o louvor dos homens. Tenhamos em mente que Jesus não estava, aqui, priorizando o lugar onde a oração ou as orações são efetuadas, mas sim a motivação para a prática da oração. Não foi, portanto, o lugar de oração que estava sendo atacado, mas a intenção daquele que pretende que o momento de oração o surpreenda em lugar proeminente e que ama essa exibição. Certamente entrar no quarto e, fechando a porta orar, não elimina a possibilidade de hipocrisia pois mesmo em um quarto secreto a pessoa pode tentar impressionar Deus com a sua oração. Jesus chamou a atenção dos discípulos para este perigo. Em seguida, Jesus nos apresenta a oração modelo, que tantas vezes temos recitado e ouvido, e que é perfeita no seu largo alcance e brevidade. Quando diz: Pai Nosso, está enfatizando a circunstância de que não podemos excluir os outros, quando nos aproximamos de Deus. Os três primeiros pedidos da oração referem-se a Deus e ao seu programa; os quatro últimos ao homem e suas necessidades.
É oportuno destacar a expressão de Jesus, “que estás nos céus”. Ela preserva o equilíbrio entre reconhecer a proximidade e a transcendência de Deus. Com a intimidade familiar, Deus pode ser tratado de Pai, mas permanece como o Deus transcendente, que deve sempre ser abordado em solenidade e reverência. Proximidade e transcendência são presentes na revelação bíblica.
O terceiro item criticado por Jesus é a prática do jejum. A lei mosaica não requeria especificamente o jejum, mas entendia-se que Levítico 16:31 o exigia para o Dia da Expiação. Os fariseus, no entanto, jejuavam duas vezes por semana e faziam disso um teste de piedade. Jesus se recusava a ser guiado por um calendário. Ele jejuava como prática normal, em tempos de crise e tinha uma orientação específica a respeito da aparência daquele que jejuava. Ouçamos as palavras do Senhor: tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto; com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim, ao teu Pai em secreto e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
É bom que recordar que a unção apontava para alegria e era prática proibida no Dia da Expiação, ou em outras ocasiões de jejum ou tristeza. Jesus vem, então, propor que a pessoa unja a sua cabeça quando estivesse jejuando, evitando, desta forma, qualquer exibição de humildade.
Lembremos que atos e palavras exteriores são originados de motivos tanto pagãos quanto cristãos. Esmolas, oração e jejum podem ser expressões significativas de religião autêntica, mas também de feitos exteriores, calculados para ganhar alguma vantagem. O nosso desafio é escolher a quem desejamos honrar. Que Deus mesmo nos abençoe e capacite.