Nesta segunda parte do 1º dia da Criação, abordaremos o segundo verso de Gênesis 1 onde se lê:
“A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo,
e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”.
O entendimento da duração dos seis dias normais de trabalho da obra criativa de Deus e mais um dia de descanso fez parte da cosmovisão judaico-cristã por milênios, onde teólogos e crentes em geral compartilhavam da mesma verdade contida na Bíblia sobre a unidade de tempo da semana da Criação de sete dias literais.
No entanto, a partir dos séculos 18 e 19 surge a geologia naturalista das supostas longas eras geológicas de centenas de milhões de anos de uma também suposta Terra antiga que vai servir de base à teoria da evolução que necessitava de bilhões de anos para que pudesse acontecer a suposta evolução biológica das espécies de vida.
Em decorrência destas ideias e acreditando que o darwinismo fosse cientificamente comprovado, as portas do chamado “concordismo” estavam agora abertas para que teólogos cristãos liberais se sentissem motivados em fazer concessões para reinterpretar e ajustar os seis dias da Criação às improváveis eras geológicas de milhões de anos da Terra, com seríssimas consequências às Escritura como um todo e à fé cristã.
Uma das especulações levantadas a partir de então, foi a chamada teoria do Intervalo,ou teoria da Lacuna, elaborada em 1876 pelo evangélico George H. Pember e divulgada através de seu livro “As Eras Mais Primitivas da Terra”. De acordo com essa teoria, houve um intervalo gigantesco tempo (talvez bilhões ou trilhões de anos) entre o verso 1 e o verso 2 do primeiro capítulo de Gênesis.
Desta forma, segundo a teoria, Deus teria criado um mundo pré-adâmico numa terra primitiva e perfeitamente funcional no verso 1 (“No princípio criou Deus os céus e a terra.”) antes dos seis dias da criação, abrigando as formas de vida vegetal e animal. A teoria do intervalo sugere também que o verso 2 (“E a terra ERA sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; ...”) deve ser traduzido como “E a Terra TORNOU-SE sem forma e vazia; ...” devido à queda de Satanás que ocorrera em algum momento neste suposto intervalo que transformou a Terra criada perfeita em um caos de total destruição quando submetida a uma espécie de “Dilúvio de Lúcifer”.
Ou seja, um juízo teria se abatido sobre a terra primitiva tornando-a sem forma e vazia. Depois disso, Deus teria reconstituído em seis dias literais a Criação devastada da suposta Terra primitiva transformando-a num paraíso, recriando todas as formas de vida que agora conhecemos. Essa teoria, bastante aceita por grande parte do mundo cristão e popularizada nas notas explicativas de rodapé da bíblia de referência Scofield a partir de 1917, recolocou os fósseis nesta criação primitiva para assim evitar o alegado conflito entre os milhões de anos da evolução e os seis dias de Gênesis 1.
No entanto, assim como outras teorias do concordismo com a Terra-antiga, a teoria do intervalo não se sustenta e, por isso, chamamos a atenção para a existência de profundas diferenças entre os problemas teológicos resultantes dessa teoria e o ponto de vista tradicional acerca da criação recente da Terra.
O apologista cristão Alexander vom Stein, em seu livro “Criação, rejeita a teoria do intervalo com os seguintes argumentos: “essa teoria é incompatível com a Bíblia – o relato da criação não tem lacunas. Em que consistem as contradições?
1. Não se pode traduzir “a terra era sem forma e vazia” como “a Terra tornou-se sem forma e vazia”. Nisso todos os tradutores são unânimes. Mas é exatamente isso que afirma a Teoria da Lacuna. A palavra traduzida por ‘sem forma’ também pode ser traduzida por ‘informe’ – o que, em princípio, não tem um sentido negativo.
2. As ‘trevas’ também não têm necessariamente que ser entendidas como consequência de um juízo. No versículo 5, Deus chama as trevas de noite. Dia e noite se complementam e são parte da Criação perfeita.”
John C. Whitcomb, em seu livro “A Terra...de Onde Veio?”, também contesta a teoria. Diz ele: “A teoria do intervalo tem de redefinir as palavras “muito bom” de Gênesis 1.31 (“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”), pois Adão chegaria muito mais tarde a um mundo que já havia sido destruído, de modo que, literalmente, estaria pisando a sepultura de bilhões de criaturas (inclusive dinossauros), sobre os quais ele jamais exerceria domínio (cf. Gn 1.26). Além do mais, esse mundo ‘muito bom’ já teria se transformado em domínio de [Satanás].
A teoria do intervalo assume que animais carnívoros já viviam e morriam tanto antes de Adão existir, quanto antes da queda de Satanás. Mas será que a morte poderia prevalecer no reino animal num mundo sem pecado? A Bíblia não ensina que ‘a criação está sujeita à vaidade’ e ‘geme e suporta angustia até agora’, como resultado da maldição edênica que veio depois do pecado de Adão? (Rm 8.20-22). [...] foi somente depois que o homem rejeitou deliberadamente a vontade conhecida de Deus é que a morte fez sua primeira aparição neste planeta (Rm 5.12).”
Assim, em nossa humilde compreensão, o significado das palavras “A terra, porém, era sem forma e vazia” indica o estado inicial da Terra antes de ser preparada para receber o homem e as demais formas de vida. Isso nos lembra, portanto, um oleiro prestes a moldar o barro disforme para transformá-lo num vaso perfeito e útil conforme o seu propósito.
Na sequência ainda do verso 2, como Deus ainda não havia criado a luz, existiam também “trevas sobre a face do abismo” (ou seja, profundeza, fundo do mar). E quando se diz “e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”, sugere que Ele estivesse rodeando, envolvendo e protegendo a superfície do vasto oceano da Terra recém-criada que receberia depois a obra prima da Criação - o homem.
Para finalizar, fiquemos com o texto de Êxodo 20:11 que não deixa dúvida alguma sobre a literalidade dos seis dias da criação e, ao mesmo tempo, constitui um golpe fatal nas pretensões daqueles que defendem a teoria do intervalo:“Porque em seis dias[e não antes deles]fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou...”.
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