Para quem em algum momento leu o relato histórico dos dois primeiros capítulos de Gênesis sem qualquer tipo de preconceito, impressiona a questão sobre a duração dos seis dias normais de trabalho da obra criativa de Deus e mais um dia de descanso, constituindo assim a unidade de tempo da admirável semana da Criação.
O texto ensina que Deus criou todas as coisas em seis dias literais de 24 horas. Esta compreensão fez parte da cosmovisão judaico-cristã por milênios, onde teólogos e crentes em geral compartilhavam da mesma verdade contida na Bíblia.
No entanto, a partir do século 18 e início do 19, geólogos deístas e ateístas desenvolveram a ideia naturalista das supostas longas eras geológicas de milhões de anos da Terra (incorporada pela teoria da evolução) usando pressuposições filosóficas antagônicas à revelação bíblica e as interpretaram de forma contrária ao relato da Criação e do Dilúvio dos tempos de Noé.
A partir deste momento, as portas do chamado “concordismo” estavam abertas para que teólogos cristãos liberais se sentissem motivados em fazer concessões para reinterpretar e ajustar as improváveis eras geológicas de milhões de anos da Terra aos seis dias de Gênesis, com seríssimas consequências à fé cristã.
Desta forma, algumas teorias têm sido apresentadas com o intuito de compatibilizar a suposta antiguidade da Terra com o texto da Criação em Gênesis 1.
Por exemplo, a Teoria do Intervalo (“Gap Theory” - Teoria da Lacuna ou Hiato) foi elaborada em 1876 pelo protestante George H. Pember (1837-1910) e divulgada através de seu livro “Earth’sEarliest Ages” (As Eras Mais Primitivas da Terra) com esse intuito.De acordo com essa teoria, houve um lapso gigantesco e indefinido de tempo (talvez bilhões ou trilhões de anos) entre o verso 1 e o verso 2 do primeiro capítulo de Gênesis. Desta forma, Deus teria criado um mundo pré-adâmico numa Terra primitiva e perfeitamente funcional no verso 1 (“No princípio criou Deus os céus e a terra.”) antes dos seis dias da criação, abrigando as formas de vida vegetal e animal.
A teoria do intervalo sugere também que o verso 2 (“E a terra ERA sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; ...”) deve ser traduzido como “E a Terra TORNOU-SE sem forma e vazia; ...” devido à queda de Satanás que ocorrera em algum momento neste suposto intervalo entre Gn 1:1 e Gn 1:2, que transformou a Terra criada perfeita em um caos de total destruição quando submetida a uma espécie de “Dilúvio de Lúcifer”. Ou seja, um juízo teria se abatido sobre a Terra primitiva tornando-a sem forma e vazia.
Depois disso, Deus teria reconstituído em seis dias literais a Criação devastada da suposta Terra primitiva transformando-a num paraíso, recriando todas as formas de vida que agora conhecemos. Essa teoria, bastante aceita por grande parte do mundo cristão e popularizada nas notas explicativas de rodapé da Bíblia de referência Scofield a partir de 1917, recolocou os fósseis nesta criação primitiva para assim evitar o alegado conflito entre a ideia evolucionista dos supostos bilhões de anos da Terra com os seis dias literais da criação em Gênesis 1.
No entanto, chamamos a atenção para a existência de profundas diferenças entre os problemas teológicos resultantes da teoria do intervalo e o ponto de vista tradicional de uma criação recente da Terra. Destacaremos alguns pontos em que determinados autores contestam a teoria do intervalo, como segue:
Alexander vom Stein refuta essa teoria com a seguinte analise: “Entretanto, essa teoria é incompatível com a Bíblia – o relato da criação não tem lacunas. Em que consistem as contradições?
1. Não se pode traduzir “a terra era sem forma e vazia” como “a Terra tornou-se sem forma e vazia”. Nisso todos os tradutores são unânimes. Mas é exatamente isso que afirma a Teoria da Lacuna. A palavra traduzida por ‘sem forma’ também pode ser traduzida por ‘informe’ – o que, em princípio, não tem um sentido negativo.
2. As ‘trevas’ também não têm necessariamente que ser entendidas como consequência de um juízo. No versículo 5 [‘E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite...’] Deus as chama de ‘noite’. Dia e noite se complementam e são parte da Criação perfeita.”1
John C. Whitcomb também contesta a teoria como segue: “A teoria do intervalo precisa redefinir o “muito bom” de Gênesis 1.31 (“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”), pois Adão chegaria muito mais tarde a um mundo que já havia sido destruído, de modo que, literalmente, estaria pisando a sepultura de bilhões de criaturas (inclusive dinossauros), sobre os quais ele jamais exerceria domínio (cf. Gn 1.26). Além do mais, esse mundo ‘muito bom’ já teria se transformado em domínio de um ser decaído e perverso, que, em outras passagens das Escrituras, é descrito como ‘o deus deste século’ (2Co 4.4).
A teoria do intervalo assume que animais carnívoros e outros animais já viviam e morriam, não apenas antes de Adão existir, mas até mesmo antes da queda de Satanás. Mas será que a morte poderia prevalecer no reino animal num mundo sem pecado? A Bíblia não ensina que ‘a criação está sujeita à vaidade’ e ‘geme e suporta angustia até agora’, como resultado da maldição edênica que veio depois da queda de Adão? (Rm 8.20-22). [...] foi somente depois que o homem rejeitou deliberadamente a vontade conhecida de Deus é que a morte fez sua primeira aparição neste planeta (Rm 5.12)”2.
De fato, a teoria do intervalo ignora as consequências advindas desta interpretação forçada e fantasiosa do texto original das Escrituras. Além de admitir que animais viveram e morreram antes da criação do homem (Adão) e de sua queda (pecado), a teoria assume que o dilúvio de Noé, registrado em três capítulos inteiros do livro de Gênesis, foi apenas de amplitude local e, portanto, relativamente insignificante em seus efeitos hidrodinâmicos se comparado ao suposto “dilúvio de Lúcifer” que teria sido o responsável pelas principais formações contendo os fósseis. Isso, contudo, é inadmissível, pois, em Lucas 17:27 o próprio Senhor Jesus se refere ao único grande dilúvio bíblico - aquele dos tempos de Noé.Também o texto de Êxodo 20:11 não deixa dúvida alguma sobre a literalidade dos seis dias da criação e, ao mesmo tempo, constitui um golpe fatal nas pretensões daqueles que defendem a teoria do intervalo.
“Porque em seis diasfez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou...”.
Portanto, “em seis dias”, e não antes deles.
Bibliografia:
Erisson Machado Moreira
1. vom Stein, Alexander -“Criação - Criacionismo Bíblico” – Ed. Alemã Daniel Verlag, 2007 / SCB – p.28/29
2. C. Whitcomb, John – “A Terra... de Onde Veio?” –Ed. Fiel – 1992 / São José dos Campos, SP – p.152
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