Como parte do cuidado integral de Jesus com os discípulos, o Mestre preparou-os para o momento da sua morte na cruz e para tudo aquilo que haveria de acontecer com eles após a sua saída deste mundo. Isto foi feito por meio de várias instruções transmitidas durante a reunião que se realizou no cenáculo, iniciada com a celebração da Ceia do Senhor, estando Judas Iscariotes ainda presente, e encerrada com a oração sacerdotal, agora somente com os onze. Judas Iscariotes já havia se retirado.
Diz o texto bíblico que “tendo Jesus dito isto”, se retirou e foi com os seus discípulos para além do ribeiro de Cedron (18:1). A frase “tendo dito isto” deve ser entendida como uma referência a tudo o que Jesus disse aos discípulos durante a reunião no Cenáculo, incluindo a oração sacerdotal, ou de consagração.
Um pouco além do ribeiro de Cedron havia um horto, ou jardim, situado a leste de Jerusalém e próximo ao Monte das Oliveiras. Os evangelistas Mateus e Marcos chamam esse jardim de Getsêmani, que significa ‘lagar de azeite’. Era um local de retiro favorito, frequentado por Jesus e seus discípulos. Judas Iscariotes também conhecia o lugar. Muitas vezes devia ter estado ali com Jesus, quando ainda participava do grupo dos doze (18:2). Facilmente seria um lugar lembrado por ele para procurar Jesus. Foi para este jardim que Jesus se retirou com os discípulos, após a reunião no cenáculo.
O ódio dos judeus contra Jesus chegara ao ponto máximo. O acordo entre os fariseus e Judas Iscariotes, para que ele entregasse Jesus, já estava feito, à espera tão somente de uma oportunidade para que o plano da traição fosse executado sem alvoroço (Lucas 22:1-6).
Vários grupos se uniram no intento de prender Jesus: uma escolta de soldados romanos, oficiais dos principais sacerdotes (saduceus), fariseus e policiais do templo. Todos eles, guiados por Judas, o discípulo traidor, chegaram ao Jardim do Getsêmani, munidos com lanternas, tochas e armas (18:3). A citação de lanternas, tochas e armas é uma evidência de que João foi uma testemunha ocular, tanto quanto demonstra a independência que sua narrativa tem em relação aos evangelhos sinóticos, considerando que somente ele faz essa citação.
O evangelista menciona que Jesus se antecipou e se entregou voluntariamente, perguntando a quem eles buscavam. Diante da afirmação de que buscavam a Jesus, o Nazareno, Ele revela a sua identidade: “Sou eu” (18:5); nesta situação, o uso de ‘Sou eu’ tem o sentido correspondente a “Eu sou”. Jesus tem direito ao nome “Eu sou”, a forma como o Deus de Israel se identificou a si mesmo, quando falava a Moisés (Êxodo 3:14).
João omite informações registradas pelos outros evangelistas, como a oração da agonia e a advertência aos discípulos sonolentos, mas em sua narrativa vemos a majestade do Filho de Deus, perante a qual os inimigos recuam e caem, segundo as palavras proféticas do Salmo 27:2: “Quando os malvados, meus adversários e inimigos, investiram contra mim, para comerem as minhas carnes, tropeçaram e caíram”. Todas as forças atuantes, lideradas pela influência maligna de Satanás, recuam e se prostram diante daquele que recebeu toda autoridade do Pai (17:2). Foi o que aconteceu ali: “quando, pois, lhes disse: Sou eu, recuaram e caíram por terra” (18:6).
Pela segunda vez, Jesus se entregou voluntariamente, mas teve o cuidado de se certificar que os discípulos ficariam em liberdade: “Já vos declarei que sou eu; se é a mim, pois, que buscais, deixai ir estes” (18:8). Era cumprimento da palavra que Jesus disse ao Pai, na oração sacerdotal: “Não perdi nenhum dos que me deste” (17:12).
Os fatos ocorridos até aqui demonstram quão grande e intenso foi o sofrimento de Jesus a caminho da cruz. Momentos de agonia precederam a prisão de Jesus, narrados com detalhes pelos outros três evangelistas. Maior sofrimento ainda aguardava o Mestre.
Jesus foi preso. A escolta, o comandante e os guardas dos judeus prenderam a Jesus. Os discípulos, contudo, foram preservados e puderam sair, sem que fossem importunados.
O julgamento de Jesus se deu em duas esferas: eclesiástica e civil. O processo do julgamento eclesiástico ocorreu, de forma preliminar, perante Anás, depois perante Caifás, estando todo o sinédrio ali reunido, de acordo com a narrativa de Mateus e Marcos. Pedro e outro discípulo, cujo nome não foi revelado, seguiram a Jesus e tiveram acesso ao local do julgamento, onde Jesus foi interrogado, sofreu bofetadas e recebeu de Pedro, por três vezes, a negação de que o conhecia.
Na esfera civil, Jesus foi conduzido à presença de Pilatos, o governador romano da Judeia. Os judeus desejavam que Jesus fosse morto, mas eles próprios não podiam proceder à execução de pena morte, legalmente (18:31), por isso o encaminharam a quem tinha autoridade governamental para isso. O que devemos considerar, no entanto, é que todo este processo estava sob a designação de Deus. Era necessário que acontecesse dessa forma, “para que se cumprisse a palavra de Jesus, significando o modo como havia de morrer” (18:32). A crucificação era penalidade comum entre os romanos, nos casos a que fosse pertinente aplicá-la. Se condenado por Pilatos, Jesus receberia a sentença de morte na cruz, cumprindo-se a palavra de que Ele seria “levantado da terra” (12:32). O plano de redenção do homem, traçado por Deus, estava se cumprindo. O sofrimento de Jesus em nosso favor também aumentava.
Tendo interrogado a Jesus, Pilatos concluiu que as acusações feitas pelos judeus se baseavam em fundamentos frágeis, chegando a declarar: “Eu não acho nele crime algum” (18:38). Ainda assim, atendeu ao clamor dos judeus que pediam a crucificação de Jesus. Em meio a humilhações e açoites cruéis, com uma coroa de espinhos na cabeça, Jesus foi condenado à morte de cruz.
A caminho do lugar chamado Calvário, ou Gólgota, no hebraico, o próprio Senhor Jesus levou sobre si a cruz em que seria pendurado (19:17). Essa informação que João dá nos faz entender que somente depois chamaram Simão para carregar a cruz de Jesus.
Jesus foi crucificado. As humilhações e o tratamento desumano não cessaram. Estando Ele já no alto da cruz, repartiram as suas vestes e lhe deram vinagre para beber, quando disse que sentia sede. Todos esses acontecimentos, no entanto, eram cumprimento das Escrituras a seu respeito (Salmo 22;18; 69:21). Logo após beber o vinagre, Jesus exclamou: “Está consumado” (19:30), e rendeu o Espírito. Estava consumada a missão que trouxe Jesus a este mundo.
Jesus morreu na cruz. Ele que nunca cometeu pecado algum, em quem nenhum crime foi achado, tomou sobre si os nossos pecados e, substituindo-nos, sofreu a condenação que a nós cabia. Jesus morreu em nosso lugar, para nos dar salvação.
Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, porém de forma oculta porque tinha medo dos judeus, providenciou o sepultamento do Mestre. Ele retirou o corpo de Jesus da cruz e, junto com Nicodemos, aquele com quem Jesus conversara sobre o novo nascimento, levou-o para a sepultura. O corpo de Jesus foi colocado num sepulcro novo, onde ninguém havia sido posto (19:41).
Tudo isso aconteceu “porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (3:16).
Grande e sublime é o amor de Deus por nós.
Consulta Bibliográfica
BÍBLIA VIDA NOVA. 16ª ed.
São Paulo: Edições Vida Nova, 1992.
BRUCE, F. F. João, Introdução e Comentário.
São Paulo: Vida Nova, 1987.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 2ª ed.
São Paulo: Vida Nova, 1995.
McNAIR, S. E. A Bíblia Explicada. 4ª ed.
Rio de Janeiro: CPAD, 1983.
Comentarios